06/07/2018 as 08:06

Artigo

Quem tem dinheiro, ganha. Quem não tem, apanha

O ditado é mais velho que o tempo.

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O ditado é mais velho que o tempo — “Eleição é assim: quem tem dinheiro, ganha; e quem não tem, apanha, sim”. Num país continental como o Brasil, a máxima continua válida. E tudo isso porque o tempo passa, as legislaturas se sucedem e os nossos dignos e indignos representantes não movem uma palha para mudar o atual sistema, por meio do qual o dinheiro escorre feito água para dentro das urnas. Por duas razões.


A primeira é que o sistema eleitoral é perdulário por natureza. Já imaginou disputar um mandato de deputado federal num estado como Minas Gerais, que tem mais de 800 municípios? Como bancar despesas de deslocamentos, hospedagens, alimentação, montagem de palanques e divulgação em cada um deles? E num estado como o Amazonas, com seus mais de 1 milhão e meio de quilômetros quadrados, uma área maior do que a da França, da Espanha, da Suécia e da Grécia - juntas! Como custear gastos só com as viagens naquele mundo de água e floresta? Viagens? Apenas para cobrir os quase mil e cem quilômetros entre Manaus a Tabatinga, dentro daquela unidade da Federação, gasta-se o mesmo tempo e o mesmo dinheiro de um voo entre Brasília, no Centro-Oeste, e Teresina, no interior do Nordeste. E tudo isso acontece porque nunca se levou a sério a adoção do voto distrital, puro ou misto, que poderia baratear enormemente as campanhas. Isso para ficar num exemplo. A outra razão é a própria propaganda que, se já era cara quando apenas produzida para o rádio e a televisão, agora também envolve todo um aparato de técnicos e especialistas digitais no monitoramento e na criação de peças específicas para as redes sociais.


Eufemismos delicados para o uso do caixa dois


O atual sistema tem como método a prática do crime eleitoral. Ele começa pela compra de votos dos controladores dos currais eleitorais, passa pela venda pelos partidos de aluguel do tempo de propaganda e prossegue no descaramento do caixa dois, até outro dia enfeitado pelo tesoureiro Delúbio Soares, do PT, com o delicado eufemismo de “recursos não contabilizados”.


O resultado dessas condições são campanhas milionárias. Aliás, bilionárias, em alguns casos, como o da reeleição de Dilma em 2014. Agora, na tentativa de botar ordem no galinheiro, estabeleceu-se um teto de gastos para as próximas eleições presidenciais. Sabe de quanto? Setenta milhões de reais. Tu acreditas que esse teto vai ser respeitado? Nem eu. Na minha terra, a gente diz que esse dinheiro não dá nem pra comprar uma mariola. E sabe o que vai acontecer? Tudo. E dentro desse “tudo”, com certeza, o Brasil vai testemunhar, nem que eles escondam muito bem, a maior canalhice do caixa dois da história.

 

A triangulação e o crescimento do laranjal


Ao mesmo tempo, a legislação, que já era frouxa, afrouxou ainda mais ao permitir que os candidatos (se) façam doações de valor ilimitado, desde que usem recursos próprios. Paralelamente, proibiram-se doações de empresas e foi liberada a doação de pessoas físicas em até 10 por cento do salário.


Aqui nos corredores do Congresso, já ouvi comentários curiosos a respeito. Um deles é o de que um candidato bem relacionado com empresas pode pedir a elas que façam depósitos em contas de pessoas físicas, recursos esses que seriam posteriormente repassados em forma de doação à campanha do candidato. Pronto: triangulou-se a distribuição do dinheiro, mantendo-se a doação de pessoas jurídicas, só que por outras vias. E o laranjal só crescendo. Lembre-se, a propósito, das eleições de 2016, quando o laranjal floresceu com o surgimento de milhares de CPFs-laranja, de gente que já morreu, ou de pessoas que recebiam verbas de programas sociais, do Bolsa Família e do escambau. Detalhe: se no tempo das doações das pessoas jurídicas qualquer cidadão entrava no site da Justiça Eleitoral e sabia que empresa tinha doado para qual candidato, saber agora quem doou pra quem tornou-se praticamente impossível.

 

Y así pasan los dias


Em meio a tudo isso, com o protagonismo das bancadas evangélicas, que vêm ocupando cada vez mais espaço no espectro político-partidário, já se espera que o rico dinheiro do dízimo escorra, generoso, de dentro das igrejas rumo às campanhas dos candidatos abençoados com o manto da beatitude. Basta o pastor mandar um acólito entregar o dinheiro aos irmãos reunidos na Casa de Deus, com a recomendação de que doem a santa grana ao irmão-candidato fulano de tal. Está resolvida a questão. Um detalhe, irmãozinho: dinheiro de dízimo é dinheiro limpo, não é caixa dois... A expectativa é de que a bancada evangélica pelo menos dobre de tamanho. Talvez triplique.

 

Paulo José Cunha é professor, jornalista e escritor