15/08/2018 as 07:54

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O mau cheiro do fascismo tupiniquim



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Eles não aceitam o casamento homossexual, o aborto, a legalização das drogas, as diferenças étnicas, raciais e religiosas, reformas legítimas e necessárias que valorizam a democracia, os direitos humanos e as liberdades individuais. Desprezam a tolerância no debate político, a igualdade de oportunidades, a liberdade de expressão e o respeito à diversidade. Com sua postura e um discurso beligerante, contaminam a realidade criando a sensação de que estamos atravessando um período de trevas, com o céu coberto por nuvens de incertezas que ameaçam o futuro.


Eles não toleram as diferenças culturais, promovem a cultura do ódio e da violência, defendem o racismo e a homofobia, fazem o apanágio da tortura e da ditadura, consideram os negros “malandros” e os índios “indolentes”, conforme declaração de um general que devia envergonhar o Exército brasileiro. Que ficou mudo. Manifestam desprezo pelos brasileiros ao tentar apagar as diferenças marcantes na formação histórica do país.

Defendem abertamente a instalação de um regime com características fascistas, embora não tenham a coragem de assumir o nome.


Fascismo é uma palavra de alto teor explosivo, que de imediato remete a Hitler e Mussolini, invasões militares, assassinatos coletivos e campos de concentração. Os novos fascistas tupiniquins, sucessores dos integralistas de Plínio Salgado, constituem uma minoria que saiu do armário, embalada pela fase atual do capitalismo globalizado. O mundo fez uma guinada à direita, inventou novas bruxas, em especial os pobres e imigrantes, conduzido pela voz estúpida de Trump e de políticas racistas de governos da velha Europa, tida como modelo de civilização. O inferno são os outros.


Num momento em que o país navega sem rumo para uma disputa eleitoral imprevisível e acirrada idelogicamente, eles abrem o caminho com as armas do ressentimento, do medo e do discurso fundamentalista, empurrados por uma onda conservadora de além fronteiras. O fascismo tupiniquim é filho do desemprego e da despolitização, que impregnou a alma da classe média manipulada pelos meios de comunicação. Vítima e ao mesmo tempo protagonista de um processo social que a alija e ela não compreende. Ainda um pequeno fascismo que pode tornar-se grande e ameaçador, na medida em que penetra a vida cotidiana do indivíduo.


Nós que acalentamos a esperança de um dia acordar no admirável mundo novo antevisto por Huxley, de repente percebemos que estamos ameaçados por uma bolha conservadora e neonazista, embalada num projeto de morte. Umberto Eco escreveu, nos anos 90 do século passado, um pequeno livro, “Como reconhecer o fascismo”. Nele dá algumas dicas que podem ser úteis. Diz que a intolerância selvagem combate-se nas raízes, atrás de uma educação que começa na infância. Segundo Eco, “o fascismo pode sempre reaparecer sob as vestes mais inocentes. O nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas”.


Eles também não gostam de samba, coisa de negros, preferem a ordem unida dos quartéis. Eles não toleram os gays e os canhotos, consideram a liberdade artística uma forma de degeneração. Eles são primários, não têm um programa, limitam-se a vociferar. Com a proximidade das eleições, o perigo voltou, identificado na figura de um candidato que encarna esse regime.


Devemos nos lembrar do desabafo do deputado Ulysses Guimarães ao promulgar a nova Constituição, em outubro de 1988, encerrando o ciclo ditatorial. De pé, de forma emocionada, ele concluiu seu discurso com um brado de indignação: “Tenho ódio e nojo à ditadura”. Os que sentiram na pele sabem do que se trata. Novamente paira no ar que respiramos o mau cheiro do fascismo tupiniquim. Nosso dever é desmascará-lo em todas as suas formas, como ensinou Umberto Eco. (Publicado no Jornal do Brasil)

Álvaro Caldas/Jornalista e escritor