18/09/2018 as 07:37

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O abismo é bem pertinho, logo ali na frente



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Pois é, amorzinho, eu não queria lhe falar assim, na cara, mas essas coisas precisam ser ditas diretamente, de forma simples, sem rodeios. Tudo bem, a gente sabe que questões delicadas são difíceis, porque a gente tem medo de encarar a verdade. Mas chega um momento em que o jeito é sentar frente à frente e dizer o que precisa ser dito. É o que estou fazendo agora.


Sem rodeios: a gente bem que tentou, mas chegamos a um ponto da corrida eleitoral em que é impossível fazer qualquer análise sem deixar de considerar como eixo central a figura dele. E olha que o Lula até que tentou ser esse eixo em torno do qual orbitam as teses, as análises, as previsões, os prognósticos. Não conseguiu. A não ser para os petistas mais renitentes, que ainda não entenderam que estão gastando os dentes de tanto roer um osso que não tem mais carne nem tutano, Lula é carta fora do baralho eleitoral.

Isso mesmo: ele ocupou o centro do debate.


Por isso, amorzinho, é que tenho de falar, embora seja extremamente doloroso: Jair Messias Bolsonaro, sobre quem pesam as piores acusações, o candidato mais rejeitado nas pesquisas, é hoje o polo de convergência de qualquer análise que se faça sobre o atual momento político brasileiro. E olha que comecei a escrever este texto antes mesmo da facada que deram nele. Estou sabendo dela exatamente agora, neste ponto do artigo. Meu Deus, que coisa! Depois vou procurar os detalhes.

Vamos em frente.


Nas poucas rodas que ainda restam no Congresso esvaziado por conta da campanha que levou para seus estados os deputados e os senadores, a conversa nem começa e Bolsonaro já está no centro das especulações.


Não leve a sério: são apenas conjecturas.


E são quatro as principais:
1)    Se ele perder a eleição, já se sabe que petistas e líderes de outras agremiações à esquerda dirão que, não fosse a insistência em manter Lula na disputa, e ele teria vencido. Sem a narrativa do “preso político”, sem a força da mística do mártir que enfrenta os dragões da maldade nas masmorras de Curitiba, e a vaca teria ido ao brejo.


2)    Do lado dos que o apoiam, a explicação para o fracasso será a de que a legislação eleitoral que não abriu espaço para ele no horário político foi o fator que o impediu de fazer chegar aos mais distantes rincões do país a sua mensagem “corajosa e libertadora”.


3)    No caso de vencer a eleição, obviamente que petistas e seus satélites à esquerda levantarão a tese de que “eles” não permitiram que Lula concorresse, disputasse e vencesse o Dragão de Sete Cabeças. Porque Lula vinha liderando as pesquisas. Porque Haddad não teve tempo de convencer o eleitorado de que ele é Lula sem barba e com nome de árabe. Porque a Globo não deixou. Porque o Judiciário está mancomunado com Moro e a Cia. E tal e coisa.


4)    Já do lado do capitão, a explicação para a vitória será a de que o povo estava mesmo precisando de quem pusesse ordem no galinheiro, de um homem destemido, sem papas na língua e que fala o que o povo quer ouvir e, além disso, prende, mata e arrebenta, resolve mesmo é na bala, como dizia Figueiredo, o último general-presidente da ditadura militar que o capitão nega ter sido implantada no Brasil.

A crônica dos desastres anunciados.


Mas o que se pode dizer com certeza, amor da minha vida, é que, tal como o museu incendiado, como a barragem que se rompeu em Mariana, como o viaduto que desabou no Eixo Rodoviário de Brasília, o Brasil, neste  momento, marcha bovinamente em direção ao matadouro. Sabemos exatamente o que precisava ter feito para evitar tragédias como as citadas acima. Mas não fizemos rigorosamente nada para evitá-las. E continuamos sabendo o que fazer. E continuamos fazendo exatamente o contrário. No livro “A Marcha da Insensatez”, Barbara W. Tuchman estuda o paradoxo que, ao longo da história, faz com que a humanidade marche com decisão em direção ao abismo, mesmo contra seus próprios interesses. Examina vários acontecimentos históricos em que era possível prever o desastre. Mas o povo preferiu marchar na direção dele, e não mudou o rumo. Aqui, no quintal de Pindorama, ao longo dessa história que já atravessou meio milênio desde Cabral, o outro, aprendemos que é muito mais fácil explicar o fracasso do que lutar para alcançar o sucesso. Vimos adiando reformas fundamentais para o país por pura inércia política.

Se colássemos uma na outra, as explicações idiotas e vazias para o incêndio do museu dariam para viajar ao longo de 12 mil anos pra saber pela boca de Luzia porque ela foi perder a cabeça justamente num incêndio que podia ter sido evitado. E Luzia responderia: - Deixa de preguiça, Paulo, e vai ler o livro da Bárbara Tuchman. Está tudo explicado lá.


Sim, ainda é tempo. Sempre é tempo para uma mudança de rumos, para voltar a trilhar o melhor caminho e evitar o abismo. Mas, amor da minha vida, este é que é o problema: duvido que tenhamos coragem de dar meia volta. Agora, chega mais perto, me dá um beijo e me consola. Eu sei: é difícil ser direto. Melhor não dizer nada, né? Vai doer menos.


Então, sigamos. Vai ser rápido. O abismo fica bem pertinho. É logo ali, ao lado do matadouro.

Paulo José Cunha/professor, jornalista e escritor