19/10/2018 as 11:23

A história não perdoará a covardia

Marivaldo Pereira auditor federal de finanças e controle

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Muita gente me pediu para escrever fazendo um balanço do que foram essas eleições, sobretudo abordando os principais desafios que enfrentei para construir uma candidatura majoritária do zero e como avalio os resultados que foram alcançados.


Adoraria falar sobre isso, mas o momento político atual me impede de falar de outra coisa que não seja a defesa da democracia em nosso país.
As eleições nacionais se transformaram num verdadeiro plebiscito entre a civilização e a barbárie. De um lado, a candidatura de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo. De outro, Jair Bolsonaro, capitão da reserva com quase trinta anos de mandato como deputado federal.


O primeiro enfrenta a rejeição que seu partido alcançou em parcela significativa da sociedade, em razão dos escândalos de corrupção que eclodiram durante as gestões petistas, mas segue com apoio relevante em razão das políticas sociais implementadas durante este período. O segundo surfa na onda das soluções fáceis, construídas em frases simples, facilmente compreensíveis, mas desconectadas da realidade, das evidências, e absolutamente incompatíveis com as garantias constitucionais — e, por isso mesmo, enfrenta a rejeição de todos aqueles que temem reviver o fantasma dos regimes autoritários, tão frequentes em nossa história.


Ao longo de minha trajetória profissional no serviço público, acompanhei a atuação dos dois postulantes à Presidência. Vi Fernando Haddad se desdobrando para ampliar o orçamento destinado pelo governo federal para a educação, colocando de pé políticas públicas inovadoras para ampliar o acesso da população mais pobre ao ensino superior, criando mecanismos para avaliar a situação do ensino em todo o país, bem como a sua luta para acabar com os esquemas de corrupção na prefeitura de São Paulo e para realizar uma gestão ousada, inovadora e focada nas pessoas mais pobres.


Ao mesmo tempo, acompanhei vários discursos do deputado Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, todos marcados por palavras de ordem, geralmente fazendo apologia à violência, ao regime militar ou ofendendo suas colegas. Jamais esquecerei a noite em que ele lutou até o fim para impedir a aprovação da Comissão da Verdade pela Câmara, mesmo depois do consentimento dos partidos de oposição em relação ao texto.
Trata-se da eleição mais polarizada desde a Constituição de 1988. A primeira eleição na qual nossa democracia corre sério perigo.

Mesmo com seu histórico de desapego à Constituição e com uma trajetória pífia na Câmara dos Deputados, Bolsonaro lidera as pesquisas de opinião e pode ser o primeiro Presidente eleito que reafirma o machismo, o racismo, o preconceito contra os povos indígenas e contra a população LGBT, a crença na violência como solução para a própria violência, somados ao seu mais absoluto desprezo por quem discorda de suas ideias.
Sendo muito otimista, o resultado de uma gestão de Jair Bolsonaro será no mínimo a naturalização da violência contra a mulher, do extermínio da juventude negra e dos povos indígenas, a explosão do número de homicídios em razão da proliferação de armas em nossa sociedade e a perseguição daqueles que discordam de suas ideias.

Infelizmente, o resultado de seu discurso de ódio já pode ser sentido nas ruas. Desde o dia 30 de setembro, foram mapeados cerca de 50 ataques de apoiadores de Bolsonaro a militantes de outros partidos, mulheres, negros e gays, lésbicas e transexuais. Entre os casos, está o covarde assassinato do Mestre Moa, ocorrido em Salvador. O próprio candidato foi vítima do ódio que tanto incita, mas mesmo assim o segue fomentando de forma irresponsável e irracional, demonstrando sua incapacidade de governar nosso país.

O momento é extremamente grave. Poderemos ter um Presidente que incendiará o país e que colocará em risco nossa frágil democracia, conquistada ao custo da vida de muitos de nós.

É hora de todas as pessoas que prezam pela Constituição e pela democracia se posicionarem. Não podemos fugir da nossa responsabilidade. Qual a posição dos representantes do DF no Senado e na Câmara? Qual o posição dos dois candidatos ao governo do DF? Quantas pessoas precisarão morrer para que entendam o que está ocorrendo em nosso país?


É o momento de mandar às favas os cálculos eleitorais e sair em defesa da nossa democracia e de nossa tão combalida Constituição.
Eu cresci na periferia. Conheço a minha história. Sei que um dos legados do último regime autoritário foram os grupos de extermínio que até hoje matam nossa juventude negra.
Se a opção autoritária vingar nas urnas, a violência será ainda mais naturalizada e incentivada. Nossos direitos serão eliminados de forma ainda mais rápida do que Temer já vinha fazendo. O desemprego nos acompanhará por muito mais tempo. E talvez sequer tenhamos como reclamar de tudo isso.
É necessário tomar posição. É dever de toda liderança, em qualquer espaço, entrar em campo e defender: Ele não! Ele nunca! Ele jamais! A omissão neste momento é covardia e não será perdoada pela história.