29/10/2018 as 12:07

Ninguém segurou a vaca. Aí ela foi pro brejo…

Paulo José Cunha professor, jornalista e escritor

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Em Caxias, pequena cidade maranhense, me contaram que havia um jornalzinho na década de 1930 que, dia sim, dia não, publicava um “suelto” advertindo que Hitler podia provocar uma guerra mundial. Dizia-se que o redator chegava, sentava-se diante da página em branco e avisava, solene:
- Hoje esse Hitler vai se ver comigo!
Pois no dia 2 de setembro de 1939 o jornal - cuja tiragem não dava nem pra atravessar o Parnaíba e chegar a Teresina, ali do outro lado do rio – dava a notícia da invasão da Polônia que deu início à 2ª Guerra numa manchete com direito a exclamação:
BEM QUE NÓS AVISAMOS!
Pois hoje incorporei o articulista pretensioso da Folha de Caxias. Ninguém diga que não avisei! Remexendo o computador encontrei um artigo meu que levou o título de “A hora dos aventureiros”, de maio do ano passado. Depois de elencar uma série de condições que pareciam particularmente favoráveis a um desastre iminente à democracia, eu avisava:
“Seja qual for o desfecho, tem se falado pouco sobre um aspecto altamente preocupante desse imbroglio: mistura de crise com ausência de lideranças confiáveis, como ensina a História, é caldo de cultura fértil para o surgimento de aventureiros salvadores da pátria com seus discursos demagógicos e populistas”.
Ora, se até um batucador de teclado vagabundo que nem eu já se aventurava a prever o desastre um ano atrás, era fácil anunciar que a vaca estava indo pro brejo.
Aquele artigo, depois de enviado à publicação, quase não teve repercussão. Entre as poucas, algumas simplesmente faziam troça dos meus receios. “Tá paranoico, PJ? Deixa disso, tá tudo sob controle, esse Bolsonaro bateu no teto, não tem como crescer além disso, relaxa. É mais um desses folclóricos aí”.

As cócegas da tentação
totalitária
Cinco meses depois, no dia 31 de outubro de 2017, eu escrevia outro artigo observando que “a tentação totalitária está fazendo cócegas no eleitorado”. No gramado em frente ao Congresso eu tinha visto um grupo com bandeiras e faixas pregando a intervenção militar. E observava: “Numa escala de 1 a 10, o número de pessoas que apoiam atitudes autoritárias é de 8,1, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ou seja: as cobras venenosas já chocaram as neo-serpentes do nazifascismo. Elas já estão bem taludinhas e andam por aí de cabeça erguida. Têm nome, sobrenome e mandato parlamentar”.
Dessa vez já recebi críticas bem mais pesadas. Algumas com ameaças. Como eu citava o general Mourão, que se tornaria vice de Bolsonaro, um dos meus críticos escreveu que eu corria o risco de amanhecer no dia seguinte com um mourão enfiado na b... Outras, mais suaves, simplesmente previam: “aceitem e chorem...pois 2019 a faixa estará com Bolsonaro...!!! Aceitem que doí menos”.
Diante do quadro, eu concluía, no artigo da semana seguinte: “Os movimentos de extrema-direita saíram do esconderijo e se expõem abertamente com foto, nome, sobrenome. Claro que ninguém contesta a ninguém o direito de expressar seus pontos de vista. O nome disso é liberdade. Mas daí a se defender publicamente uma ruptura institucional através de um golpe militar a partir das declarações de Mourão) vai uma diferença enorme. O nome disso é crime. Mas a ausência de perspectivas eleitorais confiáveis vem permitindo a ocupação do vácuo político pelos adeptos do golpe”.

Bovinamente,
rumo ao matadouro
Novembro de 2017. “Não sou famoso nem atuo na área das previsões político-eleitorais. Mas, há pelo menos um ano, venho acompanhando a evolução das pesquisas de intenção de votos com vistas à disputa de 2018 aqui no Brasil. E considero, sim, a possibilidade que muitos ainda dão como remota, de uma eventual vitória da ultra-direita representada por Jair Bolsonaro. As razões que justificam a possibilidade resultam exclusivamente da análise fria e serena da evolução do quadro de possibilidades para 2018, em meio ao vendaval turbinado a lava-jato que revolve certezas, esmigalha candidaturas aparentemente consolidadas e joga para o alto as previsões dos mais respeitados analistas”.
Em março deste ano o clima já estava mais pesado e o ar mais difícil de ser respirado. “Bovinamente vamos nos dirigindo ao matadouro. Ninguém tem a coragem, o equilíbrio, a ponderação, a sensatez de estender a mão pro lado e dizer “– Gente, vamos fazer alguma coisa “juntos”, porque, separados, só temos uma garantia: a de que esse país vai dar com os burros n’água”. Mas não. Preferimos fazer gracinhas sobre Bolsonaro, enquanto o líder da extrema-direita cresce nas pesquisas e avança nos segmentos mais sensíveis – os jovens – pavimentando a marcha batida rumo ao segundo turno da eleição. Sou um simples escriba pregando no deserto. Mas afirmo que, se não for contido e chegar ao segundo turno irá contar com a aglutinação de forças de direita e centro direita. E vencerá a eleição”. Nesta altura eu já era o próprio redator do bravo jornalzinho maranhense...

O bicho tá pegando!
A situação ia ficando mais nebulosa. Tanto que no mês seguinte meu ânimo já estava lá embaixo: “Ao passar pela Esplanada no final da tarde do julgamento (de Lula), vi muitos jovens vestidos com tua bandeira, Brasil. Por baixo dela dava pra ver camisetas com a imagem de Jair Bolsonaro. Eles gritavam: - Mito! Mito! Mito! Se eu fosse tu, Brasil, levantava do berço esplêndido e começaria a me mexer, em vez de ficar aí gritando hurras e soltando rojões. Porque o bicho tá pegando”.
Em julho, quando a CIA publicou os documentos secretos que revelavam o apoio de Geisel à tortura, eu defendia que os bolsonaristas não iriam dar a mínima pra revelação da CIA. E explicava o porquê: “Eles o apoiam - justamente por concordar com ele (Bolsonaro)! Concordância que se estende a temas tão ou mais delicados como a tortura. Duvida? Vá às redes sociais e dê uma olhadinha no que os bolsonaristas escreveram quando ele, na votação do impeachment de Dilma, declarou sua simpatia pelo coronel-torturador Brilhante Ulstra. Choveram elogios e aplausos pela coragem dele em fazer uma homenagem pública ao ‘herói’ das catacumbas do regime. Exatamente ali sua candidatura ligou os motores e entrou na pista de decolagem”.
Aquela coluna terminava com uma frase que eu poderia ter escrito hoje, e com a qual igualmente concluo agora este artigo, emocionado e resignado por não poder mudar uma vírgula:
“Sim, ainda é tempo. Sempre é tempo para uma mudança de rumos, para voltar a trilhar o melhor caminho e evitar o abismo. Mas, amor da minha vida, este é que é o problema: duvido que tenhamos coragem de dar meia volta”.