03/01/2019 as 08:07

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Por que Marco Aurélio Mello fez o que fez?



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Sei que essa é a resposta premiada do fim de ano e não tenho a pretensão de arrematar o troféu. Tratarei apenas de demonstrar que as razões enunciadas pelo ministro em suas alegações para decidir fazem parte do conjunto das respostas erradas.


No texto da espantosa decisão ele afirma:
“Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a supremacia não de maioria eventual – conforme a composição do tribunal –, mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o Supremo, seu guarda maior”.


E, mais adiante:
“Em época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana. Fixadas tais balizas, tem-se a necessidade de nova análise do tema em processo objetivo, com efeitos vinculantes e eficácia geral, preenchendo o vazio jurisdicional produzido pela demora em levar-se a julgamento definitivo as ações declaratórias de constitucionalidade, há muito devidamente aparelhadas e liberadas para inclusão na pauta dirigida do Pleno”.


Os tempos estranhos a que se refere Marco Aurélio Mello são produto da impunidade, do compadrio, da corrupção, da bandidolatria e do democídio, do soberano e lucrativo crime organizado, do livre agir de bandidos cujos processos habilitam-se ao Alzheimer dos idosos, ou seja, à anistia da prescrição.


O ministro fala que “cada qual faça a sua parte”, como se não integrasse um colegiado. Exige segurança jurídica para – num suposto ato de vontade pessoal, contanto que ausentes algumas características em cada condenado – soltar até 166 mil bandidos cumprindo pena nos presídios brasileiros e na carceragem da Polícia Federal de Curitiba.


Desqualifica, por ser eventual – como se, nas sociedades livres, houvesse maioria permanente –, a decisão colegiada que manteve a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância.


Assume-se, contra toda divergência, como leitor intérprete e aplicador perfeito da Constituição. Afirma que, em épocas de crise, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana, aparentemente esquecido de que, em qualquer colegiado, 6 x 5 define resultado democrático e republicano – e que, se ouvidos, se consultados, se cheirados, 99 em cada 100 democratas desta República anseiam pela manutenção do entendimento definido pelo Supremo Tribunal Federal.


Com sua calamitosa decisão, viveram, todos, momentos de pavor que os manterão alertas até o dia 10 de abril – quando, na agenda do ministro Dias Toffoli, o tema retornará ao plenário da Corte. Não é apenas ao ministro e sua toga que alcança o direito de resistência republicana, mormente quando a realidade é expulsa do recinto e a sensibilidade não encontra lugar nos Poderes de Estado.


Aliás, suponhamos que na “assentada” do dia 10 de abril o colegiado delibere, por maioria de 6x5, pelo fim da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. No dia seguinte, já em 11 de abril, tivessem validade os tais princípios e critérios de Marco Aurélio Mello, qualquer dos cinco colegas vencidos na votação poderia repetir seu ato tresloucado e manter presos todos os criminosos, para serviço do tão desconsiderado bem comum.


O ministro Marco Aurélio Mello é uma pessoa inteligente. Não foi pelos motivos dados que ele fez o que fez, como fez, em hora canônica, à véspera do recesso. Seu discurso não fica em pé. Suas frases falam contra seu próprio ato. Então, certamente, suas razões foram outras. A patrociná-las, fossem quais tenham sido, a conhecida vaidade do ministro, uma espécie de mãe coruja de si mesmo.

Percival Puggina/membro da Academia Rio-Grandense de Letras