07/03/2019 as 07:42

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A tesoura cega das escolas militarizadas



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Quando ouço propostas de solução de nossos problemas atuais via militarização imediatamente me recordo da famosa frase do ex-primeiro-ministro francês Georges Clemenceau: “A justiça militar está para a justiça assim como a música militar está para a música”. O raciocínio também é válido para o campo da educação – vide o que está sendo posto em prática nas escolas públicas do Distrito Federal.


Para além do absurdo de entregar a responsabilidade de educar nossos jovens a quem não tem a formação necessária para isso, me causa verdadeiro horror saber que, dentre as medidas que estão sendo adotadas nesses estabelecimentos, está a de exigir o corte de cabelo curto para os alunos, bem como a proibição do uso de bijuterias e outros acessórios. Pensar que em pleno século 21 alguém ainda associa disciplina e bom comportamento com o tamanho das madeixas masculinas revela, por si só, o pensamento retrógrado de quem está promovendo essa política.


Uma olhadinha no Estatuto da Criança e do Adolescente é suficiente para questionar uma imposição como essa. O ECA assegura não só o direito de liberdade de expressão dos jovens, como o direito ao respeito – que inclui, expressamente na lei, a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças.

Identificação grupal
Ora, o que é um penteado senão uma forma de se expressar por meio de seu próprio corpo? Também é patente o fato de que parte importante da construção da identidade dos adolescentes modernos se dá por meio da identificação com determinados grupos, caracterizados, entre outras coisas, por um tipo de visual particular (roupas, maquiagens, cortes de cabelos, etc.). Assim, parece claro que a imposição de um corte de cabelo padrão nos colégios públicos militarizados bate de frente com os direitos garantidos na legislação.


Mas, além da questão legal, devemos pensar no impacto de uma violência como essa em seres já tão confusos e fragilizados. Trago o testemunho do adolescente que um dia fui: magro, alto, desajeitado, sem intimidade nenhuma com a moda; diante do espelho, aquele pobre diabo só conseguia se orgulhar dos cabelos lisos castanhos na altura dos ombros. Usava a franja como um verdadeiro escudo de super-herói, escondendo por detrás dela toda a timidez e a insegurança de um típico teenager.

A culpa não é dele!
Se aquela mistura esquisita de pele, ossos e espinhas ainda conseguiu descolar uns crushs entre as colegas de escola, foi graças principalmente aos seus inegáveis atrativos capilares. E se não foi um bom aluno no Ensino Médio, a culpa não pode de forma nenhuma ser atribuída a sua pilosidade exuberante que, no máximo, serviu de esconderijo para os fones de ouvido que o distraíam das aulas mais chatas.


Cabelo de adolescente é coisa séria, seríssima, e desde já inicio uma campanha para garantir a todos, sem distinção de tamanho, cor, corte ou penteado, o direito inalienável da autodeterminação capilar!

Henrique Fróes/é professor temporário da rede pública de ensino do DF