12/03/2019 as 08:57

Opinião

Quem vai pegar a bandeira nacional?

Ricardo Cappelli é ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)

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Bolsonaro governa apoiado em militares positivistas e liberais. Estas mesmas forças se uniram para derrubar Getúlio, tentaram derrubar JK e estavam juntas no Golpe de 64. Esta aliança “vem de longe”, diria o saudoso Brizola.


Existem contradições, mas são superadas pelo objetivo de derrotar o adversário comum.


As forças armadas são instituições de Estado. Sem ele, perdem o sentido da existência. Para os liberais, o Estado é um empecilho a ser retirado do caminho. Na visão deles, invadir a Venezuela como preposto dos EUA pode ser lucrativo. Nação e relações entre países seriam entulhos anacrônicos.  Os militares não pensam assim.
Existem contradições internas também. Bastou Bolsonaro anunciar a redução das tarifas de importação do leite para que “liberais do agronegócio” se levantassem contra o livre mercado. A roupa de liberal ou nacionalista é trocada ao sabor dos interesses.


Os recentes editoriais do Estadão, a posição da Folha de S.Paulo e o morde-assopra-negocia da Globo são expressões destas tensões. Além de não aceitarem o desprezo do Capitão pelas mídias tradicionais, os barões têm vergonha do Jair. Como palestrar em Paris defendendo um rascunho tropical de Trump?

A reforma da previdência sinalizará os próximos passos. Os liberais – que parecem ter perdido a paciência com o presidente -, somam com ele nesta agenda. A aprovação pode dar fôlego ao Planalto, principalmente se ele for capaz de colocar outra “cenoura” para os liberais.

Mas pode também significar que a entrega principal foi realizada e que daqui por diante é cada um por si. Se a reforma for derrotada, as trapalhadas do governo serão responsabilizadas. O risco do presidente ser abandonado passa a ser enorme.

A classe média é outra “transformista” neste jogo de contradições. Quando ficar claro que os bons empregos industriais desaparecerão de vez, o desespero vai bater. Isso sem falar nos funcionários públicos que serão demitidos sumariamente nos pacotes de “desinvestimento”.
Antigos apoiadores contrariados com os rumos do bolsonarismo dificilmente vestirão o vermelho. Seria humilhação demais. Mas podem procurar um novo projeto nacional de desenvolvimento como saída honrosa.

Com o cenário mais provável indicando um governo Bolsonaro “arrastado”, os liberais devem tentar uma saída pura em 2022. Querido da elite, Doria dirige um PIB maior que o da Argentina e ganhou as duas eleições que disputou. É bom não o subestimar.

No campo oposto, a esquerda continua desorientada e dividida, com um ou outro raro momento de lucidez. A “lacração” caricata nas bolhas continua sendo a tônica. A incompreensão da questão nacional alimenta o isolamento.


Os trabalhistas apontam o dedo para o hegemonismo petista mas fazem algo parecido. Ciro erra ao cristalizar sua candidatura e eleger o PT como inimigo. A unidade é essencial. Ninguém irá longe sem ela. O que pode unir é um programa amplo em torno do país e não a simples substituição do personagem a ser cultuado.


O PT, maior e mais importante partido, parece congelado na agenda do Golpe e do Lula Livre. Defender Lula é dever cotidiano de todo democrata. A melhor forma de tirá-lo do cárcere, revertendo a correlação de forças, é a questão.


A viabilidade de qualquer projeto do campo popular e democrático está ligada à capacidade de unir e ampliar, atraindo de volta setores sociais que romperam com o lulismo. O discurso sectário do “nós contra eles” faz a demarcação desejada pelo inimigo.


O desmonte do Estado vai recolocar a questão nacional no centro do jogo e abrir muitas contradições na sociedade. Se a esquerda não pegar a bandeira verde e amarela e fizer dela a linha de uma grande costura, corre o risco de vê-la nas mãos de uma direita “moderna e repaginada”.
Ninguém acreditava na vitória de Bolsonaro. Uma virada espetacular à esquerda seria o caminho natural após o fracasso de Temer. No rumo que vamos, fiquem “tranquilos”, ainda pode piorar.