17/07/2019 as 07:48

ARTIGOS

EDITORIAL: Retrocesso

O Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal sem supervisão judicial.

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A Justiça, no Brasil, segue tropeçando. Apesar de bombardeada diariamente a partir do vazamento de áudios que envolvem nomes de peso do Judiciário, o Judiciário segue tomando decisões que parecem ir na contramão da história. A última, de hoje, afeta a credibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaça a Operação Lava Jato.


Ontem, o presidente do STF, José Dias Toffoli, suspendeu todos os processos que tramitam no país e que tenham por base o compartilhamento de informações da Receita Federal, Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público sem autorização judicial.


A decisão de Toffoli beneficia diretamente o senador Flávio Bolsonaro, que tem inquéritos baseados em informações levantadas pelos órgãos de controle. A decisão do presidente do Supremo atendeu um pedido da defesa do senador, que acusa o MP de ter criado um “atalho” ao usar as informações levantadas pelo Coaf para abrir a investigação sem ter autorização judicial.


Toffoli alega que sem uma decisão do plenário da corte sobre a questão da necessidade de autorização judicial todos os processos que tenham por base dados obtidos pelos órgãos de controle sem intermediação do Judiciário podem vir a ser considerados nulos posteriormente.


O presidente do Supremo alega, para justificar decisão tão descabida, que “a depender do que se decidir no paradigma da controvérsia, o risco de persecuções penais fundadas no compartilhamento de dados bancários e fiscais dos órgãos administrativos de fiscalização e controle com o Ministério Público, sem o adequado balizamento dos limites de informações transferidas, podem redundar em futuros julgamentos inquinados de nulidade por ofensa às matrizes constitucionais da intimidade e do sigilo de dados”.


A decisão foi alvo de muitas críticas, pois fere a Lava Jato. Apesar de mergulhar o STF em mais uma polêmica, Toffoli argumenta que essa possibilidade o levou a “suspender o processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o assunto discutido nestes autos”.


O Ministério Público, segundo ele, vem promovendo procedimentos de investigação criminal sem supervisão judicial, o que seria temerário do ponto de vista das garantias constitucionais e que seria prudente suspender que assistem a qualquer procedimento que tramita no país para evitar “eventual usurpação de competência do Poder Judiciário”.


A questão da competência dos órgãos de controle surgiu depois do vazamento de informações fiscais do ministro do STF Gilmar Mendes e familiares, quando se suspeitou que os auditores estariam tomando a iniciativa de investigar contribuintes, o que estaria fora da sua área de atuação.


A defesa alega que o MP só pediu a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador quando já tinha em mãos dados levantados pelo Coaf. O órgão fez um levantamento de operações suspeitas de políticos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e enviou ao MP no ano passado.


O STF, às vezes, parece viver fora da realidade.