22/08/2023 as 10:05
APROVADOO Conselho Superior da Universidade Federal de Sergipe (UFS) aprovou por unanimidade, na tarde de quarta-feira, 14 de junho, o parecer que concede o título de Doutor Honoris Causa a Martinho da Vila e a Raymundo Souza Dantas (postumamente).
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Petrônio Domingues
Professor do Departamento de História (UFS)
Geraldo Adriano Godoy de Campos
Professor do Departamento de Relações Internacionais (UFS)
O Conselho Superior da Universidade Federal de Sergipe (UFS) aprovou por unanimidade, na tarde de quarta-feira, 14 de junho, o parecer que concede o título de Doutor Honoris Causa a Martinho da Vila e a Raymundo Souza Dantas (postumamente).
Para quem não conhece, Raymundo Souza Dantas foi um diplomata, jornalista e escritor nascido na cidade de Estância (SE), em 1923, e falecido no Rio de Janeiro, em 2002. De origem negra e pobre, mudou-se para a então capital da República quando jovem, em busca de melhores condições de vida. Atuou como contínuo; mais tarde, como jornalista, em diferentes veículos da imprensa. Escritor, publicou vários livros. A partir de 1961, por nomeação do presidente Jânio Quadros, serviu como embaixador do Brasil na República de Gana, na África, tornando-se o primeiro negro brasileiro a ocupar tão destacado cargo.
Já Martinho da Vila nasceu em 1938, na Fazenda Cedro Grande, hoje município de Duas Barras (RJ). Com quatro anos de idade mudou-se para a Serra dos Pretos-Forros, na então capital federal.
Alfabetizado pelo pai, Josué Ferreira, posteriormente formou-se como químico industrial pelo SENAI e como escrevente e contador enquanto servia ao Exército Brasileiro, no qual alcançou o posto de sargento. Na Academia Popular, formou-se na Aprendizes da Boca do Mato e se consagrou no Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, instituição na qual ocupa(ou) posições de destaque como compositor, diretor, presidente de honra e até mesmo como tema de desfile.
Instrumentista, compositor e cantor, teve sua primeira aparição pública de destaque no ano de 1967, no III Festival da Record e, desde então, apresenta grandes contribuições artísticas. Além dos mais variados estilos de samba, Martinho da Vila compõe, canta, produz, organiza e divulga incontáveis manifestações musicais populares brasileiras (como calangos, cirandas, frevos e pontos cantados – congos, cabulas, ijexás etc) e internacionais (fados, sembas e outras musicalidades africanas e europeias). Além disso, é autor de diversos livros e projetos de internacionalização da cultura afro-diaspórica. Desde a década de 1980, possui ampla e diversificada produção literária, com livros infanto-juvenis, romances, crônicas, contos, óperas e outros de caráter (auto)biográfico e ensaístico.
A fundamentação da propositura, para a concessão do título de Doutor Honoris Causa a essas duas personalidades negras, foi elaborada pelos professores da UFS: Petrônio Domingues (do Departamento de História), Geraldo Adriano Godoy de Campos e Thiago Fernandes Franco, ambos do Departamento de Relações Internacionais.
Como assinalado na propositura, uma universidade que se pretende democrática deve ser reconhecida não somente pela sua contribuição teórica para o campo da produção do conhecimento e para o avanço científico-tecnológico que consegue desencadear na sociedade. Esse reconhecimento passa, necessariamente, pela sua capacidade de responder aos problemas, dilemas e desafios de seu tempo e gerar conhecimento e ações que impulsionem a própria ciência a se democratizar cada vez mais e se redefinir por dentro e por fora.
Diante disso, propor a concessão do título de Doutor Honoris Causa a Martinho da Vila e a Raymundo Souza Dantas assume um sentido de reparação de uma injustiça do meio acadêmico, que negligencia a contribuição que esses dois intelectuais (o primeiro como artista e escritor; o segundo como diplomata e escritor) já legaram para Sergipe e para o Brasil ao longo de décadas de meritoso trabalho de comunicação, produção cultural, criação literária, pesquisa e divulgação de ideias em âmbito nacional e internacional. Ambos protagonizam uma surpreende trajetória como homens de letras, do jornalismo, da produção cultural, das relações internacionais e do pensamento, sem ter nos meios acadêmicos até o momento o reconhecimento que sua obra merece. Durante muitos anos os nomes deles sequer apareciam como intelectuais cujas produções e reflexões contribuíram (e têm contribuído) no campo das Relações Internacionais, Comunicação, História, Ciências Sociais, Letras, Artes e Música.
Por isso, entendemos que a UFS deva lhes conferir o título de Doutor Honoris Causa. Esta homenagem consiste numa ação afirmativa importante, que está em sintonia com a agenda (demandas, anseios e expectativas) da sociedade brasileira no tempo presente. Tal reconhecimento, de duas personalidades negras, é questão de justiça e dignifica ainda mais a principal instituição de ensino superior do estado de Sergipe que, ao fazê-lo, confirmará seu compromisso com o projeto de uma universidade democrática, aberta aos anseios da sociedade civil, em diálogo com o que há de mais emergente na busca por equidade, direitos humanos e reconhecimento, no campo da diversidade cultural e étnico-racial – dentro e fora dos muros do campus.
A cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa a Martinho da Vila vai ocorrer nesta quarta-feira, no campus da UFS, em São Cristóvão, às 19h30. O homenageado já confirmou presença, ocasião em que também participará de uma mesa de debates intitulada “Memórias Interculturais”, que faz parte da programação da I Conferência Internacional Arab Latinos, da UNESCO.