28/06/2019 as 09:44

Justiça

Cadeia de custódia: ausência põe prova pericial em xeque

Estado não tem local apropriado para preservar bens e vestígios de delitos.

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Por Diego Rios

Sabe aquele jargão que diz que “a polícia prende e a Justiça solta”, ele nunca caiu tão bem quando se fala em cadeia de custódia, principalmente em Sergipe. Mas, o que seria essa tal cadeia de custódia?

De cara, a maioria das pessoas, incluindo diversos advogados inclusive que atuam na área criminal, diria sem pestanejar que se trata do estabelecimento físico para abrigar transgressores da lei. Porém, a matéria trata em outro sentido e que está intimamente ligado à preservação dos vestígios de um crime.

Segundo portaria de nº 82/2014, da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp/MJ), a cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Para o promotor Deijaniro Jonas, da Promotoria de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial, os vestígios devem estar intactos durante todo o decorrer do processo.


“É importantíssima a preservação dos bens e vestígios relativos aos delitos investigados, para que não pairem dúvidas em relação à sua origem, obtenção e veracidade. A cadeia de custódia deve ser um elemento a ser observado dentro dos protocolos de investigação, sob pena de trazer dúvidas e nódoas à investigação, sua não observância”, ressalta o promotor.

Porém, apesar de suas observações, atualmente Sergipe não possui um comprometimento no sentido de respeito à portaria nº 82/2014. Para se ter ideia da gravidade da situação, a maioria dos vestígios coletados durante a perícia é entregue à autoridade policial presente no local.


Segundo o Código de Processo Penal, no artigo 6º, assim que tiver conhecimento da prática da infração penal a autoridade policial deve dirigir-se ao local e providenciar para que não se altere o estado e a conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais. Além disso, também devem apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos.


“Infelizmente, a grande maioria dos operadores do Direito desconhecem a existência da cadeia de custódia. O local do crime é a primeira fonte de vestígios do cometimento da infração penal e tem que ser devidamente isolado, preservado, guarnecido e delimitado. Infelizmente, aqui em Sergipe ninguém segue tais determinações. Tem muitas pessoas sendo condenadas de forma errada e sem a devida observância a tais procedimentos”, observa o advogado criminalista e pós-graduando em Ciências Forenses e Perícia Criminal, Aloísio Vasconcelos.

E ele vai mais além: “Muitas condenações são feitas sem a observação da cadeia de custódia e da relevância da prova pericial. Alguns profissionais estão fazendo o papel de Peritos Oficiais, sem a devida atenção à lei 12.030”, ressalta o advogado.

No Brasil, em 2008, um caso emblemático e de grande repercussão na imprensa serve de exemplo da falta de cultura quanto ao cumprimento da cadeia de custódia. Trata-se do assassinato da menina Isabella Nardoni, de apenas cinco anos, brutalmente jogada da janela do sexto andar de um edifício.

No referido caso, ocorreu a falta de preservação do local do crime e causou verdadeiro embaraço nas investigações, sendo motivo de contestação pelo senador Romeu Tuma em um discurso no Senado Federal.

“Mesmo se carecêssemos de qualquer outro exemplo dos malefícios acarretados à elucidação dos fatos pelo inadequado tratamento dos locais de crime, especialmente os de sangue, o caso Isabella bastaria para demonstrar como falhas de interdição elementares continuam a possibilitar até a remoção de vestígios após o início das investigações. Continuam e continuarão – se não encontrarem um enérgico basta! – a permitir o tumulto nas apurações, que sempre corre a favor dos criminosos em qualquer sistema jurídico-penal alicerçado, como o nosso, no princípio de ‘in dubio pro reo’”, disse Romeu Tuma à época do crime.
De acordo com um perito criminal que preferiu não ser identificado, os institutos vinculados à Coordenadoria Geral de Perícias (Cogerp) não apresentam estrutura básica para comportar uma cadeia de custódia.


“Eu, por exemplo, utilizo um armário para guardar meus pertences como custódia de muitos vestígios coletados em locais de crime. As fotos dos locais de crime são armazenadas em um HD externo, um equipamento eletrônico simples e frágil, numa queda acidental se vai metade da materialização dos delitos do Estado”, pontua o perito.

Ciente da importância da preservação da prova pericial, o coordenador-geral de perícias, Nestor Barros, afirma que existe um projeto sendo desenvolvido por um grupo de peritos para a implantação da cadeia de custódia.


“Temos um grupo encabeçado por uma perita que está fazendo um projeto da cadeia de custódia. A cadeia de custódia não depende, exclusivamente, da perícia. Inicia com a preservação e isolamento do local, mas temos um projeto e tão logo esteja pronto vamos levar para a apreciação do secretário de Segurança Pública para colocar em prática”, explica Nestor.
Questionado sobre a garantia, por exemplo, de que um corpo periciado no local de crime seja o mesmo que chegará ao destino final para o trabalho do perito médico legista, o coordenador afirma que ainda não pode dar essa garantia.

“Ainda não temos. Já tem um projeto nesse sentido de que esse corpo, a partir do momento que ele fosse periciado, já sairia com uma identificação, seja de que tipo for, ou pulseira ou um lacrezinho com numeração e todas as perícias relacionadas a esse corpo seguirão com uma numeração única”, diz Nestor, já acrescentando que a Cogerp fica na dependência do secretário de Segurança Pública, uma vez que não possui orçamento próprio. Apesar disso, ele garante que o órgão tem autonomia profissional.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) foi procurada para falar sobre o assunto, mas estava impossibilitada devido aos trâmites de mudança em sua Assessoria de Comunicação. A Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/SE) também foi questionada sobre os fatos, porém, parecia desconhecer a temática e até o fechamento da edição não enviou resposta.