13/09/2019 as 15:53

ESTRESSE NO TRABALHO

Sob pressão, agressão e assédio, trabalhadores de call center desenvolvem transtornos psicológicos

Mesmo sendo ofendidos e humilhados por clientes do outro lado da linha telefônica, eles não podem perder a ligação, e devem ser ágeis e eficientes. Essa é a rotina estressante dos inúmeros jovens do Call Center de uma empresa em Aracaju

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“Você tem que ficar calado, porque eu estou pagando, e você tem que ouvir mesmo”. “Você está fadado a esse tipo de emprego para o resto da sua vida, porque você nasceu para ser empregadinho“. “Você só podia ser do Nordeste”. “Você não presta para nada”. São frases como essa, que João, nome fictício dado ao personagem dessa matéria, escuta quase diariamente. Ele tem apenas 24 anos de idade e já enfrentou transtornos psicológicos, como ansiedade e insônia.

João trabalha há cerca de cinco anos numa empresa de call center em Aracaju, e mesmo com receio de ser identificado pela instituição, ele topou contar como é a rotina do trabalho que, apesar de estressante, paga as contas do mês.

São seis horas e 20 minutos de trabalho por dia que podem, facilmente, se transformar numa eternidade. Atendendo clientes das regiões do sul e sudeste do Brasil, afim de apontar soluções para os problemas dessas pessoas, não há opção de desligar o telefone quando os insultos começam. O que resta mesmo é ouvir, e ainda tentar acalmar o cliente.

Assim como João, a maior parte dos funcionários da empresa de call center são jovens estudantes, na flor da idade. E por isso, muitas vezes, não sabem lidar com tanta agressão vinda do outro lado da linha. O resultado?

“Choro. Mas, eu também já vi pessoas tendo ataques de pânico, com reações irracionais, de gritar, esbravejar. Claro que na opção do mudo, para o cliente não ouvir. As pessoas batem na mesa, e tudo isso são válvulas de escape. Assim como o choro é uma delas. Já vi gente pedir demissão, mas, não tanto. Lá, as pessoas, curiosamente, querem ser demitidas. Elas imploram para ser demitidas. Por conta da questão de não aguentar mais, mas, para que pelo menos não saiam da empresa sem receber seguro desemprego e os recursos como FGTS, etc. E isso impacta muito mais ainda na questão psicológica, porque as pessoas ficam com muito receio de ser demitida por justa causa. Isso afeta bastante. Elas ficam com medo de cometerem algum tipo de erro, e ser demitido por justa causa, que é o que acontece muito”, relata o trabalhador.

Pouco mais de três anos trabalhando na empresa, João começou a entender que todo o pânico que ele sentia, principalmente nos últimos minutos próximo do horário de ir embora, não era algo comum, como ele pensava.

“Eu meio que naturalizava. Os problemas começaram a surgir bem depois. Chegava momentos que eu ficava ansioso para ir embora e batia o desespero, do cliente começar a contar um problema, e você pensar que tem que resolver, mas, não sabe como. Até eu entender que aquilo era realmente um problema de saúde, levou um tempo. Mas, procurei ajuda. Desenvolvi problemas com ansiedade, fui medicado, fiquei afastado do trabalho por um tempo. E isso é bem comum. As pessoas desenvolvem algum problema psicológico porque as agressões, e a própria pressão do trabalho, mexe muito com a nossa cabeça”, detalha o jovem.

Por um período, as crises de ansiedade do João estavam bem intensas. Ele relata que só de saber que tinha que ir até a empresa já o deixava com a respiração ofegante, falta de ar, irritabilidade, e dores de cabeça muito forte. “Diziam que eu estava com síndrome do “tum”, o barulho da ligação entrando. Porque era só ouvir que já ficava irritado. Eu só tinha vontade de sair daquilo ali. A todo momento ficava olhando se estava perto do horário de ir embora. Era uma sensação de aprisionamento. Dava um bloqueio de não conseguir resolver de forma rápida, ágil, como eles pedem. E ainda ter que lidar com cliente estressado. Tudo isso são variáveis que acabam intensificando a ansiedade”, descreve.

Ao chegar em casa, o cansaço tomava conta de tal forma, que sequer João conseguia descansar o suficiente para enfrentar o trabalho no dia seguinte. “O cansaço psicológico estava mesmo depois da jornada, porque eu desenvolvi também insônia. Fora a questão da angustia, porque o último lugar do mundo que eu queria estar, era aquele ali. A vontade que eu tinha era de sair correndo”, conta.

Apesar de as agressões serem o ápice do problema, não é apenas isso que influencia no processo de transtorno psíquico adquirido pelos trabalhadores de call center. Segundo João, as pressões vêm de todos os lados: os clientes irritados, um sistema que, muitas vezes, não possui ferramentas eficientes, além das metas abusivas, e o horário cronometrado até para ir ao banheiro, sendo de apenas cinco minutos.

“Quem passa desse tempo não é penalizado. Mas, existe a pressão dos supervisores. Eles sempre ficam cobrando que a pessoa seja ágil, que diminua o tempo de intervalo, de almoço e as idas ao banheiro”, disse João.

Em Aracaju, a situação dos jovens é ainda pior, já que conforme as últimas denúncias dos trabalhadores, a empresa não paga nem mesmo o salário mínimo estabelecido pelo Governo Federal. Veja a matéria publicada no portal do Jornaldacidade.net no último dia 6 de setembro: Funcionários da Alma Viva denunciam falta de reajuste.

|Reportagem: Laís de Melo

||Foto: Brian Jackson