17/10/2019 as 07:42

QUEDA DE CAIXA D'ÁGUA EM DORES

Famílias aguardam indenizações da Deso

Advogado de vítimas diz que companhia trabalha para protelar reparos

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Prestes a completar dois anos no dia 6 de novembro, o desastre que vitimou fatalmente duas crianças e feriu outras 20 pessoas no Município de Nossa Senhora das Dores ainda permanece com algumas vítimas aguardando o reparo por parte da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso).

O acidente aconteceu após a queda de uma caixa d’água que ficava no telhado da Escola Municipal Professor Osman dos Santos Oliveira, no Povoado Campo Grande, no Município de Nossa Senhora das Dores, Médio Sertão de Sergipe.

O laudo produzido pelos peritos criminais oficiais do Instituto de Criminalística de Sergipe não deixou dúvidas quanto à responsabilidade da Deso na fatalidade. Entre os fatores que provocaram a queda foram constatados uma forte corrosão por falta de manutenção, além de falha na execução do projeto.

Ainda de acordo com a investigação realizada pela Polícia Civil, é possível que a Deso tivesse conhecimento da situação em que se encontrava a caixa d´água, uma vez que manutenções paliativas foram realizadas e não retomadas posteriormente.

Para Ilma Souza, mãe de Nicolly Pereira, de 11 anos, uma das crianças mortas no acidente, a dor é ainda maior. Ela reside em frente à escola onde tudo aconteceu, inclusive no momento da queda da caixa d´água ela ainda correu em direção à entrada do colégio para tentar avisar.

“Todos os dias eu abro a porta de casa e olho para frente parece que estou vendo a minha Nicolly. No dia do acontecido eu vi tudo. Ela foi para a feira comigo pela manhã e de tarde ela não queria ir para a escola. Eu insisti para ela ir. Quando ela saiu disse “tchau Mainha” e eu olhei para a vizinha, Patrícia, e mostrei como a caixa d´água estava derramando água. Foi aí que ela deu quatro estalos e eu saí gritando pelo meio da rua para avisar que ela ia cair. Mas quando eu cheguei lá foi questão de segundos. Quando olhei minha filha estava embaixo da caixa d´água toda esbagaçada, cabeça, peito, tudo. Só o bracinho dela que não quebrou”, relata a mãe.

Ainda segundo ela, atualmente ela e o esposo tomam remédios controlados e são acompanhados por psicólogos, mas a situação tem piorado a cada dia. Para se ter ideia, segundo ela, a Deso e a Prefeitura de Nossa Senhora das Dores ficam num jogo de transferência de responsabilidade com relação à compra desses medicamentos.

“Tomo remédio controlado e meu esposo está com depressão profunda. Já entraram três turmas de psicólogos. O que está me doendo mais são esses remédios que a gente está tomando. A gente vai atrás da Deso e ela diz que a prefeitura é quem tem que liberar. A gente procura a prefeitura e recebe a resposta de que não são eles. Isso é um absurdo. A gente não tem condições. Respeitem a nossa dor, nós perdemos uma filha”, lamenta Ilma.

Entre as vítimas estão casos mais graves de lesão, com grande probabilidade de sequelas permanentes, vítimas com atrofia de membros superiores, vítimas de traumatismo craniano decorrente de esmagamento, menor com traumas na coluna, além dos genitores de uma das vítimas fatais que estão com problemas psicológicos comprovados e em acompanhamento.

Para o advogado Ítalo Correia, que representa 13 das 20 famílias atingidas, as propostas de reparação de dano, em alguns casos não foram suficientes.

“Eu represento 13 das 20 famílias que foram afetadas pelo acidente que aconteceu em 6 de novembro de 2017. Desses 13 processos distribuídos, foram realizados acordos em oito, restando cinco processos que seguem o trâmite regular e aguarda julgamento. Insta ressaltar, que nesses cinco processos não foi celebrado acordo, porque as propostas feitas pela Deso não reparavam o dano causado às vítimas de forma integral”, ressalta o advogado.

Os processos que tramitam pela 1ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Nossa Senhora das Dores aguardam a realização de perícia. Nos casos em que houve lesões físicas, as perícias médicas foram requeridas pelas vítimas, uma vez que o ônus de provar a sequela e a provável incapacidade dela decorrente é da parte que alega.

“A Deso, com a finalidade única de atrasar o andamento do processo, requereu a produção de perícia de engenharia, o que representa uma estranheza em relação ao caso, já que a relação estabelecida entre a Deso e as vítimas é nítida relação de consumo. Nesse caso, ainda que a Deso demonstre ausência de culpa pelo acidente, responderia pelos danos causados às vítimas por expor a vida dessas e outras famílias a risco durante a prestação dos serviços. Ademais, a prova requerida já fora produzida nos autos do processo criminal que apura a responsabilidade dos gestores, e a perícia de engenharia realizada naqueles autos já aponta para a responsabilidade da estatal. Portanto, a prova requerida é meramente protelatória”, explica o advogado Ítalo Correia.

Vale ressaltar que, logo após o acidente, o povoado ficou com o fornecimento de água suspenso e as famílias vivenciaram um cenário de guerra. Os feridos que inicialmente foram encaminhados ao Hospital de Urgência de Sergipe (Huse), posteriormente foram transferidos para receber tratamento na rede hospitalar privada.

Ainda segundo o advogado, após o acidente, a Deso manteve por um ano uma equipe multidisciplinar para auxiliar no tratamento das vítimas e os medicamentos ficaram sendo fornecidos pelo município. Um ano após o acidente, toda a assistência prestada saiu do povoado.

“Embora a Deso alegue que não, após um ano do acidente as famílias ficaram completamente desassistidas pela estatal. Só há duas semanas, após vários protestos e as famílias recorrerem à imprensa, é que a assistência retornou ao povoado. Assim mesmo, a Deso impediu todos os profissionais de emitirem qualquer relatório do estado de saúde das vítimas e confiscou todos os exames realizados”, diz o advogado.

Ele também explica a situação de alguns de seus clientes que chamam mais atenção e precisam de agilidade na assistência. “Entre os casos que ainda estão em andamento, temos algumas situações que chamam a atenção: um dos menores que teve o braço quebrado em vários lugares e passou por procedimentos cirúrgico, apresenta uma clara atrofia do membro superior. Uma outra criança que foi esmagada pelos escombros sofre com problemas na coluna e não pode correr por muito tempo nem fazer esforço comum de uma criança. Ainda uma outra vítima alega estar perdendo os movimentos dos membros superiores e sente fortes dores de cabeça decorrentes de traumatismo craniano. E, por fim, temos a situação dos genitores de uma das vítimas fatais, ambos em quadro depressivo decorrente do trauma”, pontua Ítalo.

Em nota, a Deso informou que segue prestando assistência e em contato direto com as famílias envolvidas, profissionais da escola e a população em geral do Povoado Campo Grande, em Nossa Senhora das Dores.

Segundo ela, foi reconstruída uma escola maior e mais moderna que a antiga, valorizando a amplitude das salas de aula, bem como a ventilação e iluminação naturais, com pátio coberto, banheiros com acessibilidade e barras de apoio, fachada revestida de cerâmica, piso tátil e guia para auxiliar deficientes visuais, além de uma área de recreação pavimentada, equipamentos de combate a princípio de incêndio, e com base nas orientações e especificações estabelecidas pelo Ministério da Educação. Diante desse projeto, o prédio atual está pronto e o mobiliário será entregue dentro de 30 dias.

Por último, a estatal disse que nunca deixou de prestar nenhum tipo de assistência às famílias. Todas as segundas e quartas-feiras a assistência social da empresa está na cidade, além da equipe multidisciplinar com profissionais da área de saúde, composta por psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais disponibilizados pela empresa. A companhia também providencia transporte para o deslocamento das famílias para a capital, para a realização de qualquer tipo de exame ou avaliação médica. Realiza reuniões mensais com todos os profissionais envolvidos para que seja apresentado relatórios oficiais e ampliou as ações para que atividades de diversas áreas sejam implantadas e geradas para a comunidade local.

 

 

 

 

| Reportagem: Diego Rios

|| Foto: Joselito Farias/Divulgação