20/11/2019 as 17:36

20 DE NOVEMBRO

Dia da Consciência Negra e o enfrentamento ao racismo persistente

Neste ano de 2019, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1969, faz 50 anos

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Mais do que ações para lembrar a luta dos negros contra a discriminação racial e a desigualdade social, o Dia da Consciência Negra, comemorado em todo país no dia 20 de novembro, exige uma reflexão mais profunda e complexa. Falar de Consciência Negra é buscar em uma entidade multifacetada os vieses da política, identidade, cultura, religião e na questão humanitária e, nesse aspecto, passa a ser discussão não apenas para população negra.

Neste ano de 2019, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1969, faz 50 anos. Há quatro anos a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o período entre 2015 e 2024 como a Década Internacional de Afrodescendentes (resolução 68/237), uma década dedicada aos povos de ascendência africana. Ao declarar esta Década, a comunidade internacional reconhece que os povos afrodescendentes representam um grupo distinto cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos nos campos do reconhecimento, justiça e desenvolvimento.

De acordo com o advogado Ilzver de Matos Oliveira, professor do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes-Unit e presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil- Seccional Sergipe (OAB/SE), a sociedade racista brasileira, o Estado e o direito têm interferido diretamente, e quase sempre perversamente, em cinco importantes campos da luta dos movimentos sociais negros e afrorreligiosos.

“No campo do “ser” quando, historicamente, tem pautado a definição do que é e do que não é o ser negro, quilombola, do que é e do que não é religião.  No campo do “ter” têm sido o direito, o Estado e a sociedade distribuidores de direitos e bens, através de critérios raciais e religiosos desde a época da colonização.  Na seara do “fazer” por meio de normas de controle das populações negras e dos afrorreligiosos que sempre permearam o campo jurídico, especialmente o penal. No espaço do “estar” quando considera  a situação de criminalização dos trabalhadores em situação de uso de drogas ou de tráfico que vivem nas periferias das cidades brasileiras, enquanto o mesmo não se vê comumente em zonas não-periféricas ou com populações não-negras, como as das zonas nobres das cidades, onde há igualmente uso ou tráfico de drogas.  E, finalmente, na área do “permanecer”, a atuação no campo das lutas das comunidades remanescentes de quilombos, das lutas dos povos de terreiros pela manutenção dos seus traços históricos caracterizadores. Tudo isso impacta no permanecer de negros e afrorreligiosos enquanto ato de manter-se no seu lugar, num dado estado construído histórica e culturalmente, a partir da sua determinação e persistência e dos seus processos de luta”, afirmou.

Ativista dos Direitos Humanos, pesquisadora sobre Relações Raciais e membro do Grupo de Trabalho Relações Interétnicas do Conselho de Psicologia de Sergipe, a psicóloga Joana dos Santos, reitera que depois de mais de três séculos de escravização de povos africanos no Brasil, a liberdade para a população negra aconteceu de forma burocrática. “De maneira prática e real, essa população foi lançada a própria sorte, sem trabalho, terra ou educação formal, sem nenhum tipo de política que integrasse às pessoas negras à sociedade. Não é de se surpreender que a sociedade brasileira ainda viva às consequências dessa libertação sem nenhum tipo de cuidado ou política reparatória. Os agora afro-brasileiros ainda vivem sob o prisma da dominação. O preconceito e a discriminação racial e o racismo estão enraizados na estrutura da sociedade, embora uma parte dos brasileiros se imagine numa “democracia racial” e negue o racismo.

A realidade é que a cor do indivíduo é causa determinante para a pobreza e perpetuação dela, além de determinar os acessos aos direitos que lhes são garantidos por lei, como, saúde, educação, moradia, cultura e lazer”, ratifica.

As estatísticas revelam que 64% dos desempregados no Brasil são negros, segundo o IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, divulgadas na quarta-feira (13).  Segundo dados do IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2017, a taxa de feminicídio para as negras cresceu 29,9%, enquanto a das não negras cresceu 1,6%. Os mesmos dados revelam que, 75,5% das vítimas de homicídio no país são negras.  Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil 62,5% das crianças em trabalho infantil são negras.

“Todas estas questões e outras tantas enfrentadas pela população negra reverberam na saúde de forma geral, no bem-estar, na autoestima e identidade, na qualidade de vida, e deste modo na saúde mental desta população. E nos revela que o projeto de extermínios e/ou apagamento da população negra ainda está em curso no Brasil e, também, por isso nos implica diretamente nas lutas por mudanças neste cenário de segregação. O racismo humilha e mata de diversas formas. A luta antirracista é dever de todos que acreditam que uma sociedade democrática não existe sem igualdade de oportunidades”, afirmou Joana.

Dados do informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil revelou que, em 2018, pela primeira vez, pretos e pardos ultrapassaram a metade das matrículas em universidades e faculdades públicas, apesar dessa população representar 55,8% dos brasileiros.

“A vida não é fácil para gente, tudo que é cobrado das demais pessoas, para nós é em dobro, em triplo. Somos o tempo todo desacreditadas, desvalorizadas e menosprezadas em um país preconceituoso, racista, machista e patriarcal”. A afirmação é de Thaís Gonçalves, mulher negra, moradora da zona norte da capital sergipana, formada em Psicologia em uma faculdade particular com bolsa integral do PROUNI. Ela conta que por não se sentir representada em várias esferas da sociedade e pensando em mudar esse cenário, escolheu as mulheres negras e seus familiares como público-alvo do Instituto Dona de Mim-IDM, que fundou em este ano e que será inaugurado no primeiro semestre de 2020.

Ainda sem um centavo no bolso, mas disposta a enfrentar uma realidade, Thaís começou a vender a marca IDM em produtos que já estão à venda nas redes sociais  e lançou uma campanha de financiamento coletivo (https://www.kickante.com.br/campanhas/compra-do-predio-instituto-dona-mim) com objetivo de angariar fundos para comprar e ampliar o prédio onde será  instalado o instituto, que inicialmente será alugado, mas que também está à venda.  “Vamos priorizar a contratação de profissionais negras da comunidade. O IDM vai oferecer serviços de terapias individuais  e  de grupo com ênfase em ansiedade e depressão, clínico geral, nutricionista, fonoaudióloga, psicopedagoga, psiquiatra, saúde do idoso, fisioterapeuta, podologia, estética, massoterapia, design de sobrancelha, auriculoterapia, aromaterapia, aulas de defesa pessoal, yoga, inglês, redação para o Enem, inclusão digital, orientações jurídica, contábil,  vocacional e sobre a Lei Maria da Penha entre outras atividades. Também serão desenvolvidos alguns projetos que entendemos como importantes e que farão diferenças significativas na vida das mulheres negras e seus familiares, melhorando a autoestima e autonomia e dessa forma contribuindo para o desenvolvimento social e humano da comunidade, adiantou.