08/04/2020 as 09:46

SEM ASSISTÊNCIA

Isolamento social: profissionais do sexo passam por necessidades

Algumas transexuais passam por necessidades, enquanto outras se arriscam em busca do almoço do dia seguinte

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Isolamento social: profissionais do sexo passam por necessidades

“Se eu disser que tenho algo para almoçar hoje, eu estou mentindo. A minha vizinha me deu dois pães ontem à noite, comi um e guardei o outro para hoje de manhã. Falei com uma irmã minha para ver se ela traz alguma coisa de mantimento. Me sinto péssima, pois nunca pedi nada a ninguém. Independente de trabalhar na prostituição, mas o que ganho é honesto e digno. Com essa situação do coronavírus, tenho evitado ir para o Centro em busca de clientes”.

O relato acima é de uma transexual que trabalha como profissional do sexo nas ruas do Centro de Aracaju e que, por conta da iminente propagação do coronavírus, fez a opção por ficar em casa e respeitar os decretos que recomendam o isolamento social. A transexual será chamada de Sheron Drumond, para preservar a sua identidade.

Ainda segundo Sheron, algumas colegas insistem em correr riscos, principalmente pelo fato de ser essa a única fonte e renda. “Eu já bati o pé e não saio de jeito nenhum. Mas não recrimino as minhas colegas que estão na rua batendo porta de carro. Cada uma sabe onde o calo aperta. Nos sentimos o que há de pior na sociedade e somos tratadas desta forma. Não pensam na população trans de maneira alguma”, lamenta a transexual.

Já a profissional do sexo Paula Santana, uma mulher que atua no ramo há seis anos, apesar de tomar a decisão de evitar o contato com os clientes durante esse período, decidiu focar na venda de vídeos íntimos e shows ao vivo.

“Eu já vendia meus vídeos e fazia transmissão ao vivo mediante transferência bancária, mas era bem pouco. Com essa situação, passei a anunciar em sites esse serviço específico. O ganho é três vezes menor, mas pelo menos pago as minhas contas e preservo a minha saúde”, avalia a acompanhante.

Para a presidente da Associação de Travestis e Transexuais na Luta pela Cidadania (Unidas), Jéssica Taylor, a situação é preocupante e requer uma solução urgente.

“Desde o início do coronavírus eu me preocupei justamente com as meninas, as profissionais do sexo. Como eu venho dessa situação, já que me prostituí por muitos e muitos anos, hoje tenho um emprego, mas me preocupo com elas. Recebi um áudio de uma se lamentando que estava passando por dificuldade pelo fato de trabalhar na rua e não ter outra fonte de renda, como é o caso da grande maioria. Comecei a convocar os amigos, os parceiros e começamos a pedir às pessoas para ajudar essa população trans, que é a população mais esquecida das esquecidas, são as últimas para alguém lembrar. Eu tentei junto à Secretaria de Inclusão do Estado uma ajuda para elas e a resposta que me deram foi para elas irem comer no Padre Pedro. Uma pessoa que não tem dinheiro para sair de casa, tem meninas que moram no Siqueira Campos, no Marcos Freire, como vão pagar um ônibus para ir comer uma quentinha de R$ 1,00? Pelo amor de Deus”, afirma Jéssica.

A ativista revela seus medos com relação ao coronavírus: “Estou pedindo a elas por tudo para não descerem, porque estamos vivendo uma situação de risco. Elas na rua sabem disso, não apenas para elas, mas para quem mora com a família. Estão nas ruas, expostas, saem com pessoas que não conhecem. Essa doença não está na cara de quem tem e nem de quem não tem”, alerta a presidente da Unidas.

Pensando em como ajudar essas profissionais do sexo, Jéssica mobilizou um grupo de amigos e amigas para montar cestas básicas e kits de higiene pessoal para distribuição. “Nós organizamos, junto com o grupo de mulheres da Barra dos Coqueiros, e estamos montando cestas básicas para essas meninas durante essa quarentena. O que estamos mais precisando no momento são produtos de higiene pessoal e de limpeza. Aquelas que estão cadastradas no CadÚnico ainda vão receber esse auxílio emergencial. Mas não são todas. Diversas não possuem cadastros, até pelo estilo de vida que levam, viajando por vários estados para conseguir sobreviver”, explica Jéssica.

Para quem puder ajudar, basta entrar em contato com Jéssica Taylor pelo número (79) 98819-8664, que ela se encarrega de buscar a ajuda.

Questionada sobre políticas públicas voltadas para profissionais de sexo nesse período de isolamento social, bem como a afirmação da presidente da Unidas com relação à liberação delas para realizar as refeições no Restaurante Popular Padre Pedro, a Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência Social e do Trabalho (Seit) não deu resposta até o fechamento desta edição.

 

|Reportagem: Diego Rios

|| Foto: Reprodução