08/02/2021 as 09:32

COMPORTAMENTO

Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans

Em 2020, foram registrados 175 assassinatos de pessoas transgênero

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Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans

A bandeira das travestis e das mulheres e homens transexuais foi hasteada durante o mês de janeiro. O período, marcado como o de Visibilidade Trans no mundo, trouxe à tona uma necessidade urgente, sobretudo no Brasil, de desconstrução da sociedade para as questões de gênero. O mês acabou, mas a luta não. Afinal, a população que representa o “T” da sigla LGBTQIA+ segue sendo marginalizada e morta.

Segundo dados divulgados no relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil, novamente, consagrou o país número um que mais mata trans. No ano de 2020, foram registrados 175 assassinatos de pessoas transgênero, o que significa um caso a cada dois dias. Além disso, o relatório ainda divulgou que todas as vítimas eram mulheres trans/travestis. A maioria dessas mulheres era negra, conforme aponta a pesquisa. Ainda de acordo com a Antra, há falta de vontade do poder público de realizar o levantamento desses casos, gerando uma subnotificação dos crimes.

Em Sergipe, essa problemática é claramente vista. A equipe do JORNAL DA CIDADE solicitou dados de casos de transfobia e homicídios registrados contra essa população, no entanto não foi possível obter os números. Segundo a pasta, no Procedimento Policial Eletrônico (PPE) não existe a “aba” específica para preencher dados de orientação sexual e/ou identidade de gênero. “Já foi solicitado isso, e é uma questão que está sendo resolvida a nível nacional, porque o PPE é repassado pelo Ministério da Justiça e sem essa aba não temos o recorte ainda dos crimes cometidos contra esse público”, informou a Assessoria de Comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP).

Além disso, a equipe do JC também tentou conversar com a delegada Meire Mansuet, responsável pela Delegacia de Atendimento a Crimes Homofóbicos, de Racismo e Intolerância Religiosa (DACHRI), que investiga os casos de transfobia ocorridos em Aracaju, para ter uma visão mais ampla de como a pasta atua sobre esses casos, mas não foi possível. Após rejeitar as ligações, a delegada informou que não estava podendo atender. Ainda conforme a assessoria da SSP, os dados existentes sobre crimes contra a população LGBT, são os números de inquéritos policiais instaurados, com um total de 21 em 2020, e um já em 2021, e de Termos de Ocorrências Circunstanciados, sendo 18 no ano passado, e dois esse ano.

De 2018 até 2021, o total dessas ocorrências foi de 113. No relatório da Antra foi divulgado que, em Sergipe, durante o ano de 2020, duas mulheres trans foram vítimas fatais. “Não querer levantar esses dados é uma face da LGBTIfobia institucional”, diz o relatório. Falando em transfobia institucional, um caso que repercutiu e chamou bastante atenção da população sergipana em 2020 foi o da cantora Ísis Broken, que sofreu transfobia por parte do órgão público do governo estadual, Fundação de Cultura e Arte (Funcap). Ísis se inscreveu num edital divulgado pelo órgão e, ao ser divulgada a lista dos contemplados, notou que o nome social não se encontrava, apesar de existir o decreto de número 8.727, que dispõe sobre o uso de nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Segundo a cantora, a delegacia responsável, DACHRI, já citada nesta matéria, está investigando o caso, porém, ficou de entrar em contato com a cantora no dia 9 de janeiro. Em resposta via WhatsApp, a delegada apenas disse que o inquérito sobre este caso foi encaminhado para apreciação do Poder Judiciário. “Eu sou uma mulher travesti preta. Esse caso de transfobia que sofri vai muito além, porque também beira o racismo e a misoginia. A Funcap fomentou transfobia institucionalizada, e gerou ainda mais linchamento virtual para mim, ao usar na nota de “esclarecimento”, usando um termo racista, o artigo masculino para retratar comigo. Ao declarar que não são transfóbicos, eles usaram meu nome no artigo masculino. É inadmissível. Além de que expuseram meu nome de batismo duas vezes na mesma nota. Depois, na mesma nota, eles disseram que eu era mentirosa, que não tinha informado meu nome social”, relembra a cantora.

A nota pública divulgada pela Funcap, da qual Ísis se refere, foi excluída das redes sociais da fundação. Uma nova nota foi publicada, onde nesta a instituição se refere à artista por seu nome social e utilizando artigos no feminino. Na nota, a Funcap lamenta os “transtornos ocorridos com o desencontro de informações”, e pede “desculpas à artista Ísis Broken e a toda comunidade LGBTQIA+ pelos acontecimentos”. Após cerca de dois meses do fato, a artista segue indignada com a situação e lamenta que a sociedade esteja esquecida do que ocorreu. “Cá estou eu, aguardando a delegacia entrar em contato. Não tenho dinheiro para pagar advogado, inclusive peço ajuda nesse sentido. Parece que as pessoas esqueceram, porque sempre é assim. O caso não está repercutindo do jeito que deveria. Foi extremamente desumano e desonesto”, desabafa.

A vereadora que representa o público LGBTQIA+ na Câmara Municipal de Aracaju, Linda Brasil (Psol), ressalta que a falta de dados por falta dos órgãos públicos interfere diretamente na luta, na conscientização da sociedade e no planejamento por políticas públicas para pessoas trans. “Essa é uma demanda de muitos anos dos movimentos sociais que faço parte. Estamos há muito tempo pedindo para que o Estado tenha esses dados, para que a gente possa realmente trazê-los à tona e fomentar as políticas públicas que o público LGTQIA+ precisa. O que a gente percebe que o Estado de uma certa forma ele não tem esse interesse, justamente para que a gente não possa ter essas informações, para não requerer politicas publicas nesse sentido. Mas, não só em relação a violência, mas, em questões de saúde, de educação”, explica a parlamentar. Ainda conforme Linda, esse será um dos focos da mandata, bem como buscar atuar fortemente na educação. “A falta de informação em todas as questões de gênero e identidade sexual faz com que uma parcela da sociedade não tenha o entendimento sobre respeito à diversidade. Queremos levar justamente isso para a sociedade, para que a gente diminua a violência”, complementa.

|Por Laís de Melo
||Foto: Divulgação