20/07/2020 as 12:18

CULTURA

Izabel Nascimento: ‘A magia do cordel é algo marcante e presente na memória afetiva’

Num resumo da conversa, há motivos diversos para festejar e desafios a enfrentar também.

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Em celebração aos três anos de existência da Academia Sergipana de Cordel (ASC), comemorados neste domingo, 19 de julho, Dia do Cordelista, em homenagem ao poeta João Firmino Cabral, o Jornal da Cidade conversou com a presidente da instituição, a cordelista Izabel Nascimento. Num resumo da conversa, há motivos diversos para festejar e desafios a enfrentar também. sergipe tem peculiaridades na formação da academia literária que o tornam referência. Essa é uma ótima característica para brindar. É sobre isso e muito mais que a cordelista Izabel conversou com o JC. Boa leitura!

                                        

JORNAL DA CIDADE - Três anos de Academia Sergipana de Cordel e quais são os principais motivos de comemoração? 
IZABEL NASCIMENTO -
 Celebrar a poesia é sempre bom! Comemorar o aniversário da Academia Sergipana de Cordel (ASC), em seus três anos de existência, é também festejar a importante forma como cada poeta tem se desafiado a viver o cordel em sua trajetória. Neste período realizamos diversas ações, participamos ativamente da cena literária em nosso Estado, ampliamos a cena cordelista em Sergipe levando o cordel como pauta a espaços importantes como à Assembleia Legislativa de Sergipe, motivamos a formação de novos nomes para o cordel e todas estas ações têm sua relevância. Este trabalho “externo” da ASC nos deixa muito felizes e com o sentimento de que estamos no caminho certo. Há um trabalho “interno” sendo feito também, de igual necessidade e importância. Trata-se do fortalecimento do trabalho poético de cada um, de cada uma que compõe a ASC. Uma Academia Literária torna-se forte à medida em que seus membros se desafiam a fortalecer as suas histórias individuais no cordel, que é uma literatura de identidade. Com o olhar para o que acontece também além do que é divulgado, as razões para celebrar são ainda maiores. 

JC - E quais foram e são os desafios? 
IN - Os desafios são muitos, tendo em vista que uma das tarefas de quem vive o universo do cordel é defendê-lo enquanto literatura e expressão cultural. Mesmo sabendo que o cordel tem alcançado outros espaços, é possível ver que ainda há muito preconceito entranhado na forma que as pessoas enxergam o gênero. A origem “popular” que o cordel tem, sob a ótica de quem não percebe a riqueza e a genialidade que esta mesma origem proporciona, ainda retira o cordel do protagonismo literário brasileiro e, em nosso caso, sergipano. Construir um novo tempo para o cordel se faz necessário e nós somos otimistas com este caminho. Se ainda há lugares onde um poeta cordelista não é sequer considerado escritor, por outro é possível acompanhar e qualificar as discussões em diversos espaços, como nas universidades, por exemplo. O cordel é uma rede abrangente onde estão contidas não somente as pessoas que escrevem e publicam, mas também por quem escreve, quem lê, edita, revisa, vende, pesquisa. Ampliar este olhar é necessário para aprofundar as discussões e erradicar a mentalidade rasa com as quais ainda nos deparamos. 

JC - De que maneira a criação e existência da ASC contribui para a preservação e continuidade da literatura de cordel? 
IN
 - Nossas ações buscam sempre agregar. Entendemos que a Academia Sergipana de Cordel está e estará representada nos encontros literários onde cada um de seus 37 membros se fizerem presentes. Sendo assim, nos eventos literários das diversas Academias de Sergipe, ter a representação do cordel é um ponto importante a ser citado. Da mesma forma, quando cada poeta aceitou fazer parte da ASC, assumiu o papel de agregar a sua história na poesia para fortalecimento da ação coletiva. Isso ilustra que a ASC atua em várias instâncias, ações e momentos de forma representativa também. Para além das ações indiretas, realizamos diversas atividades que merecem ser citadas, a exemplo da I Feira de Cordel em Aracaju, na ocasião do nosso primeiro aniversário, um encontro maravilhoso que uniu a cena literária e a cena musical de Sergipe no Café da Gente; o Projeto Cordel no Parque, em parceria com a Casa do Cordel e a Rural do Forró, durante os tão poéticos “Domingos de Maio” no Parque da Sementeira; a palestra realizada na Assembleia Legislativa de Sergipe, durante a tramitação do Projeto de Lei que sugere à Secretaria de Estado da Educação o cordel como prática pedagógica, um debate que desejamos aprofundar; o lançamento histórico da obra Das Neves às Nuvens – I Antologia das Mulheres do Cordel Sergipano – escrito por mulheres da ASC e outras que ainda não fazem parte, mas diante na nossa visão agregadora, jamais deixariam de estar na Antologia. A nossa recente parceria com o Programa Giro Sergipe, da TV Sergipe, apresentado por Anne Samara, que há pouco mais de um mês tem apresentado poetas em declamação, sugeridos pela ASC, entre outros. Nossas ações são pensadas para quem está na Academia, mas para além disso também. Conhecemos o valor da ação coletiva e a poesia sempre nos apresenta pessoas especiais com quem podemos contar e construir este caminho da melhor forma. 

JC - Em relação às demais academias do país, o que faz Sergipe despontar com potencialidade? 
IN - Mesmo cientes do trabalho que realizamos, de forma pioneira em algumas ações, é importante ressaltar que cada realidade se constrói a partir de suas peculiaridades também. O cordel é um universo brilhante, porém ainda há entraves que o fazem também muito competitivo em todos os lugares. Desejando mudar esta realidade, a ASC tem duas mulheres à frente: na presidência, onde estou, e na vice-presidência, com a querida cordelista Salete Nascimento. A criação da ASC com duas poetas que já estão no segundo mandato é um diferencial dentro da predominância masculina que o cordel ainda possui. Todas as coisas que fazemos são frutos da nossa experiência enquanto poetas cordelistas, mas também há muito de percepção, sensibilidade e criatividade de todas as pessoas que fazem a ACS. Somos a Academia Literária ligada ao Cordel que mais tem mulheres em sua composição. Somos 11, por enquanto. Lançamos a primeira antologia escrita 100% por mulheres. Estas características apontam que um novo está sendo trilhado para o cordel, sendo Sergipe uma referência. Este caminho visa ampliar o olhar e colocar o cordel como ferramenta essencial para a transformação a partir da valorização da Mulher Cordelista também, pois onde a mulher tem garantido o seu espaço todos avançam. Preciso reafirmar que cada Academia Literária tem seu trabalho que é sempre de muita dedicação e reconhecimento insuficiente. Mas quem o faz, sabe da missão que tem, por isso continuamos. 

JC - O fato de ter uma mulher na presidência é um diferencial? 
IN - Sem dúvida. Aprendemos a enxergar nossos caminhos literários como uma experiência coletiva, onde cada mulher é igualmente importante e, tendo em vista que o cordel tem uma construção histórica forjada na luta, ser uma mulher cordelista é ser de forma atemporal, uma resistência dentro da resistência. Este “diferencial” nos proporciona muitas coisas positivas na construção plural que almejamos. 

JC - E isso tem incomodado tanto aqui no Estado e fora?
IN - Bastante! O machismo é uma realidade que também se expressa fortemente dentro do cordel. Há algumas semanas, o cordel brasileiro tem vivenciado um marco histórico a partir do Movimento de Mulheres Cordelistas Contra o Machismo. A campanha #cordelsemmachismo nasceu logo após um episódio de natureza machista (mais um) dentro do universo do cordel. Ministrei a primeira palestra do III Encontro de Cordelistas da Paraíba, em 27 de junho. No evento virtual, dentro do tema “O Cordel como Ferramenta de Transformação Social”, fiz um recorte histórico para denunciar o traço forte do machismo que também ocorre no cordel e dizer com isso que não podemos vislumbrar uma transformação numa poesia que ainda não reconhece, não valoriza, sequer respeita o papel e o protagonismo da mulher cordelista. Já na palestra foi possível perceber resistência em algumas intervenções feitas por quem estava nos assistindo, porém, foi num grupo de Whatsapp e numa publicação no Facebook, na semana subsequente à palestra, que um grupo de poetas cordelistas resolveu polemizar o assunto e não apenas me expor e atacar virtualmente, mas também julgar, questionar e agitar pautas hipotéticas sobre a minha vida, formação e atuação dentro do cordel. Esta não foi a primeira vez em que apresentei o tema numa palestra e isto sempre incomodou muitos homens, especialmente os que praticam atos machistas. É fato que não sou a primeira mulher a sofrer por conta deste problema. No entanto, foi a primeira vez que um grupo de mulheres se reuniu e resolveu organizar um movimento de denúncia e enfrentamento ao machismo no cordel e de ação em defesa de todas as mulheres cordelistas. Em Sergipe não é diferente! Há muito tempo nós, mulheres, passamos por situações em que somos depreciadas, excluídas, boicotadas, assediadas. Quando falamos em feminismo, a falta de entendimento conceitual de muitos, aliada à cômoda posição de privilégio que os poetas homens possuem, os fazem na maioria das vezes negar a sua condição de machista, no conceito estrutural da palavra. A magia do cordel é algo marcante e presente na memória afetiva de quem aprecia o gênero literário.

JC - O que tem sido planejado e executado na ASC durante a pandemia? 
IN - Estamos realizando há quase dois meses o Projeto Vozes do Cordel, que consiste na realização de transmissões ao vivo, através do Instagram, cuja finalidade é movimentar ainda mais a cena poética nas redes sociais e contribuir para os debates e reflexões sobre o cordel, bem como promover momentos de declamação e diálogo. Nossa proposta, a partir do Vozes, é também estimular os poetas e as poetas que não têm habilidades com redes sociais a utilizar esta ferramenta que se faz cada vez mais necessária para a divulgação de nossos trabalhos. Realizar encontro de forma remota já era um pensamento nosso, antes mesmo da pandemia, tendo em vista que há mais de três anos já fazemos uso dos recursos virtuais. Com a pandemia, as plataformas se desenvolveram e as novas ferramentas tornaram muitas ações possíveis. O cordel também vai acompanhar estas mudanças. 

JC - Como será marcada essa data comemorativa? 
IN - Utilizaremos as formas de comunicação que nos aproximam remotamente. Faremos publicações e homenagens através da imprensa, o que desde já me faz agradecer ao JORNAL DA CIDADE pela matéria! A TV Sergipe apresentará uma edição especial do Programa Giro Sergipe homenageando o cordel e a ASC; na Revista Cumbuca número 28, a última revista na qual o saudoso jornalista Amaral Cavalcante trabalhou, sairá um artigo em homenagem ao Patrono da ASC, o poeta João Firmino Cabral (1940-2013); o Vozes do Cordel prestará uma homenagem aos nossos três anos, onde anunciaremos a publicação da I Antologia da Academia Sergipana de Cordel – Homenagem a João Firmino Cabral. Desejamos fortemente que o cordel seja um elixir que atenue as dores desta fase que o mundo enfrenta. Comemoramos mais um ano com alegria, muito orgulho da história que estamos escrevendo na pauta do tempo e com muita esperança de dias melhores para todos e todas! 

Por Gilmara Costa
Foto: Divulgação