12/05/2021 as 08:06

ARTE

‘Luminado - Entre o Céu e a Terra’: um convite para ‘ouvEr’

Poesia, música, teatro e audiovisual convergem num mosaico que roteiriza a cultura popular nordestina

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Visionário da linguagem artística múltipla e instigadora dos cinco sentidos e “contra sentidos” – tipo, enxergar a partir de um cheiro –, o trio, formado pelos produtores audiovisuais Ana Badyally e Luan Allen e o músico Júlio Rêgo faz o convite para o lançamento hoje, 11, do vídeo “Luminado - Entre o Céu e a Terra”, às 12h, no YouTube.

É no zunido do “rói rói”, brinquedo de infâncias que ganha a função de instrumento musical, numa sonoridade anunciante da cegueira física, mental e socialmente presente na realidade nossa de cada dia que se reconhece o anúncio de luz.

Em seguida, o vídeo é um “bilhete de entrada” para fechar os olhos e se deixar alumiar pela declamação do ator Zé Carlos Mauá, “tateando” os ouvidos com os poemas “Cantiga do Penar”, de sua autoria, e “O Cego”, de Catulo da Paixão Cearense. É um palatável sabor de diversão com o palhaço mamulengo, o Cheiroso, e também de selvageria assombrosa do personagem “hi-tech” encandeados com a religiosidade em prece e cenário.

Poesia, música, teatro e audiovisual convergem num mosaico que roteiriza a cultura popular nordestina, e aguça a atenção para sentir fortemente cada manifestação da arte e sentidos por vez de visualização. É de sentir o cheiro da vela ao memoriar as luzes que fazem enxergar os caminhos; de ouvir o olhar guiado pelo cão; de se reconhecer cego pelas desventuras reais e buscar manter os olhos abertos nas crenças. “Cada personagem ali tem um motivo significado muito forte na cultura popular nordestina. Tem o cego que não tem a visão física, mas ele vê tudo, porque para o cego o mais importante é o que está dentro de você. Tem a beata, devota de Santa Luzia, que é a santa protetora dos olhos, dos deficientes visuais; o Cheiroso, o palhaço popular que é o cara mais sabido da história porque ele revela a própria pessoa. E ainda tem o ma- ‘Luminado - Entre o Céu e a Terra’: um convite para ‘ouvEr’ VÍDEO PRODUZIDO PELO TRIO ANA BADYALLY, LUAN ALLEN E JÚLIO RÊGO ABORDA A DEFICIÊNCIA VISUAL E OUTRAS CEGUEIRAS Divulgação mulengo ‘hi-tech’, interpretado por mim, que é uma espécie de lenda, uma assombração, desses que a gente vê em nossa imaginação. E a gente se identifica com tudo isso, pois o vídeo trata de deficiência, mas outros tipos de cegueira, da desigualdade social”, explicou o músico Júlio Rêgo.

No processo de criação de “Luminado”, a sonoridade das notas foi sendo clareada pelo encanto e talento de outros nomes artísticos, culminando na multiplicidade cultural de um conto no palco virtual. “Comecei a fazer uma trilha com a mistura de instrumentos mais rústicos e modernos, uma forma de fazer música no computador que os belgas chamam de ‘maquette’ e que aqui para gente caracteriza miniaturas. Então, tem o som expressivo do ‘rói rói’, que é um brinquedo de criança que vende na feira, e também tem percussão, pífanos, o som da gaita cheia de pedais eletrônicos.

E foi então que me lembrei de uma apresentação que me marcou muito que foi do meu amigo Mauá, interpretando o poema de Catulo da Paixão Cearense, ‘O Cego’. Então, peguei um áudio que ele tinha e comecei a trabalhar junto com minhas primeiras ideias e assim nasceu a trilha de Luminado. E aí convidei a roteirista Ana Badyally e o jovem videomaker Luan Allen para fazer esse vídeo que considero um auto popular, um conto com personagens cotidianos e expressivos”, destacou Júlio Rêgo.

Segundo ele, o projeto audiovisual surgiu da necessidade de reinventar a forma de chegar ao público diante do período do pandemia, numa (re)descoberta artística que amplifica visões, atinge outros olhares e desperta a resistência. “Há um tempo já vinha pensando em vídeo. Veio a pandemia e os músicos tiveram que se reinventar, pois não teve mais show ao vivo. Então, a linguagem teve que mudar e vieram as lives. Mas, nesse formato de vídeo, quisemos trazer o poema declamado. O poema foi escrito não necessariamente para ser música, pois existe a possibilidade de não transformar em melodia e ela ser declamada, recitada. Assim foi feito. Criei em torno dessa declamação, uma história musical integrada a essa maneira que será recitada”, destacou o gaitista.

Aliás, esse é o segundo vídeo produzido pelo trio que estreou em janeiro deste ano o trabalho “As Mãos no Espelho”, baseado no poema do escritor e dramaturgo Hunald de Alencar, e com a participação da bailarina Ingrid Yamamoto. “O vídeo foi um resgate da obra de Hunald, um escritor fantástico. É um vídeo denso, mas que cumpriu a sua função porque despertou algo nas pessoas. Muita gente relembrou de Hunald. Então, foi algo significativo de fazer ainda mais nesse momento de pandemia em que os músicos tiveram que modificar a linguagem, reinventar-se para apresentar o trabalho ao público”, disse Júlio.

ILMA FONTES

De olhar no futuro e pretensão ativa, o trio formado por Ana Badyally, Júlio Rêgo e Luan Allen já planeja uma homenagem à escritora Ilma Fontes (in memorian) com uma trilogia poética. “Musiquei o poema ‘Coisa do Amor’, botei melodia e gravei, eu mesmo cantado e mostrei para ela. Ilma gostou tanto que desengavetou uma peça dela e falou para mim sobre o desejo de fazer a peça, me dando a responsabilidade de fazer a trilha sonora. Mas, aí veio o agravamento da doença dela, enfim. E continuei musicando coisas dela. Fiz mais duas. São poemas que falam sobre amor. Então, a ideia da trilogia é ‘O Amor de Ilma Fontes’. São três visões diferentes do amor. Um deles, ‘O Bilhete de Amiga’, um poema belíssimo, é recitado por uma garota chamada Estela, travesti e estudante de Letras, que conheci no Sarau DeBaixo, no ano de 2018”, revelou Júlio Rêgo.