10/11/2022 as 18:14

MEMÓRIAS

Jornalista sergipano compartilha encontro com Gal Costa



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O jornalista Iuri Rodrigues compartilha os os leitores do JC, um encontro que teve com a cantora Gal Costa, como forma de homenagear a artistaque faleceu na última quarta-feira, 9 de novembro.


O recado de Gal e Fernanda

“Meu nome é Gal, tenho setenta anos e estou aprocura de um amor, mas é um amor que me ame também”, disse.

Foi sábado meu encontro com Gal. A cortina vermelha de veludo se abriu e ela já estava lá. De pé. Como uma deusa. Um vestido florido, sapato vermelho e cabelo cacheado e volumoso que de longe brilhava.

Chorei com Gal em vários momentos. O maior foi quando, sentada e com o violão na mão, contou a linda história do encontro entre ela e Caetano, em Salvador. É uma linda história de amor, a deles, que nem o tempo e o vento serão capazes de destruir, como diz Veríssimo, o Érico. Foi o lançamento de seu novo CD, o “Estratosférica”, no Tom Brasil, em São Paulo. Gal passeou entre canções inéditas e grandes sucessos.

Emocionante foi quando cantou “não identificado”, do compadre Caetano e imortalizada na voz de Gal. A música diz que uma pessoa apaixonada é igual a um objeto não identificado. De matar isso, não! Reza a lenda que Caetano escreveu essa letra e presentou Dona Canô, como forma de reconciliar seus pais depois de uma discórdia do casal Veloso.

Gal, aos 70, ainda continua com a mesma entonação, com o remelexo sutil no quadril e com a responsabilidade de preencher os corações desalentos de quem os assiste.

“Meu nome é Gal, tenho setenta anos e estou aprocura de um amor, mas é um amor que me ame também”, disse Gal, ecoando pelos quatro cantos da casa de Show e recebendo gritos, assovios e aplausos de pé.

Foi uma frase forte, aquela. Daquelas que vale por um show inteiro. Sai de lá mais inquieto e ansioso do que quando entrei. Mas estava irradiando. A baiana é foda mesmo.

Na volta pra casa, fui abordado por Fernanda, lá no baixa Augusta, a rua mais profética de São Paulo. Fernanda me pediu um cigarro. Acho que meu cabelo desalinhado e o olho roxo, ainda do show de Gal, fizeram com que Fernanda me abordasse. Falei que não era fumante, mas que poderia arrumar um cigarro, sem problemas.

Fernanda é uma mulher trans e estava na rua fazendo seu trabalho rotineiro. Fernanda caminhava com tanta, mas tanta elegância, que teve momentos de eu pensar estar diante de Christiane Torloni.

Consegui o cigarro pra Fernanda, que me contou sua vida toda naquela madrugada. Na esquina da praça Roosevelt com Augusta. Entre uma tragada e outra, com seus dedos com unhas enormes e pintadas com cores fortes, Fernanda se lamentava de como é difícil encontrar o amor. Me disse que já rodou o mundo todo, e que pretende encontrar aqui em São Paulo, o tal do amor.

Deixei Fernanda no trampo e fui pra casa dormir. Uma coisa ficou martelando minha cabeça. Fernanda, Gal e eu estamos a procura de uma mesma coisa, o amor! Se ele é real, isso ai eu já não sei!

Iuri Rodrigues
Jornalista e sergipano de Lagarto. É autor de dois livros: Um lugar para respirar, único livro no Brasil onde acompanha pacientes na fila de transplante pulmonar na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e do livro de crônicas, Ser Feliz Dói.