15/03/2021 as 09:22

COVID-19

Quilombolas são esquecidos entre os grupos prioritários para o recebimento da vacina

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, faltam doses para atender idosos e profissionais de saúde

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Diante da escassez generalizada de vacinas contra a covid-19, a exigência de gerenciar, entre aqueles que estão inseridos em grupos prioritários, quem deve ter a preferência para receber o imunizante, acabou deixando de fora, ao menos para um outro momento, as comunidades quilombolas de Sergipe. Até o momento, cerca de 33 mil indivíduos, residentes das 45 comunidades existentes no estado, ainda aguardam a sua vez de serem vacinados.

Mesmo incluídas por lei entre as prioridades do Plano Nacional de Imunização (PNI), essas comunidades denunciam que vêm sendo negligenciadas pelo Governo do Estado e pelas prefeituras. “Não fomos informados sobre quando vamos receber a vacina, muito menos fomos procurados pelas prefeituras ou pelo governo para receber qualquer orientação. Está todo mundo na expectativa e ninguém fala nada”, reclama a presidente da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas, Xifronese Santos, que é moradora da Caraíbas, no município de Canhoba.

De acordo com ela, a entidade pretende levar a situação das comunidades do Estado até o Ministério Público, a fim de que seja reparada a falha. “Dos 35 municípios de Sergipe que contam com quilombolas em seus territórios, a informação que temos é que apenas Capela e Porto da Folha incluíram essas populações entre as prioridades para o recebimento da vacina. Estamos fazendo o levantamento detalhado de cada uma das 45 comunidades existentes no estado para protocolar um ofício relatando toda a situação ao Ministério Público. Não temos, até o momento, informações de que alguém dessas comunidades tenha tomado alguma dose da vacina”, complementa Xifronese.

A situação encontrada em Sergipe reflete o cenário enfrentado pelos quilombolas em todo país. Nas últimas semanas, a Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (Conaq) tem denunciado a total falta de gerência do Ministério da Saúde frente ao planejamento de vacinação da população. Para o Conaq, é justamente a falta de uma centralização da Política Nacional de Imunização (PNI) que tem levado estados e municípios a tomarem decisões diferentes e equivocadas em relação à priorização dessa parcela da população. O Plano Nacional de Imunização (PNI) preconiza que devem receber a vacina, de forma prioritária, idosos acima dos 75 anos, trabalhadores da saúde, indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Um levantamento realizado pelo Portal TERRA, entretanto, mostra que apenas os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Maranhão, Piauí e Amapá incluíram os quilombolas na primeira fase da vacinação. Outros estados preferiram incluir a população em outras fases da campanha, a exemplo do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Pará, Paraíba e Amazonas. Já os estados de Rondônia, Acre, Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Paraná, Ceará e Rio Grande do Norte mencionaram a inclusão dos quilombolas no grupo prioritário, mas não especificaram em qual fase.

Apenas seis estados da federação sequer haviam mencionado os quilombolas em seu plano de vacinação: Sergipe, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Roraima. Em Sergipe, entre os municípios que concentram a maior quantidade de descendentes e remanescentes de comunidades formadas por escravizados estão: Santa Luzia do Itanhy (com 7.860 pessoas), Brejo Grande (4.230), Laranjeiras (3.873) e Estância (1.894).

RECOMENDAÇÃO
A falta de prioridade dos grupos quilombolas nas fases iniciais do planejamento de vacinação em Sergipe também já foi objeto de reclamação do Fórum Sergipano de Religiões de Matriz Africana. Em ofício enviado à Secretaria de Estado da Inclusão e Assistência Social (SEIAS), a entidade informa que a vacina não tem chegado às comunidades. “Após dialogar com povos ciganos e comunidades quilombolas, a SEIAS recebeu a informação de que muitos ainda não foram imunizados. Por isso, estamos oficiando todas as Secretarias Municipais de Saúde, recomendando a vacinação das comunidades tradicionais existentes em seus territórios”, disse a Referência Técnica para Povos e Comunidades Tradicionais da SEIAS, Iyá Sonia Oliveira.

Ainda de acordo com o órgão, o plano nacional de vacinação concede autonomia aos municípios na execução da vacinação. “Em janeiro de 2021, o Ministério da Saúde elaborou um informe técnico da Campanha Nacional de Vacinação contra Covid-19 que prevê a vacinação dos Povos e Comunidades Tradicionais ribeirinhos e quilombolas, e cita que a vacinação deverá ser realizada por meio de estratégias específicas a serem planejadas em nível municipal. Então, achamos importante recomendar essa atenção às gestões municipais, disponibilizando levantamento sobre as comunidades presentes em seus territórios, e solicitando informações sobre os respectivos calendários de vacinação deste público, para que possamos acompanhar”, explica a diretora de Inclusão e Direitos Humanos da SEIAS, Ana Márcia Menezes.

Procurado para comentar a situação das comunidades quilombolas em Sergipe, o Conselho Estadual de Saúde (CES/SE) reconheceu que o Plano Estadual de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 não especifica a inclusão de comunidades quilombolas como grupo prioritário para o recebimento da vacina, muito menos informa em que fase essa parcela da população será contemplada. “Diante dessa observação, o CES/SE, como órgão colegiado, deliberativo e de fiscalização, vai enviar uma Recomendação para que o Estado de Sergipe inclua os quilombolas no plano estadual e este colegiado juntamente com o controle social das sete Regionais de Saúde e os Conselhos Municipais de Saúde farão o acompanhamento da vacinação desta comunidade específica”, disse em Nota o vice-presidente do CES/SE, Eduardo Ramos Gomes.

PLANEJAMENTO
O problema é que ainda não há expectativas de quando haverá vacinas disponíveis para a população quilombola. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, órgão responsável por gerenciar a distribuição do imunizante para os municípios de Sergipe, “o quantitativo de vacinas não foi suficiente ainda para imunizar todos os idosos acima dos 60 anos e profissionais de saúde”. E, pelo visto, se as vacinas continuarem a chegar a “conta-gotas”, a população quilombola ainda deverá esperar mais algumas fases para ser contemplada, uma vez que, entre as prioridades definidas dentro das prioridades, serão vacinados, preferencialmente, os idosos e pessoas com comorbidades, que possuem um maior risco de gravidade e de morte. “As entregas das doses referentes às comunidades tradicionais quilombolas serão realizadas pela Secretaria de Estado da Saúde logo após o recebimento e separação, de acordo com a previsão da população de referência de cada um dos 35 municípios que contam com comunidades quilombolas”, explica Marco Aurélio Góes, diretor de Vigilância em Saúde da SES.