24/08/2020 as 08:02

ENTREVISTA

Peterson Almeida: ‘Não é permitida propaganda eleitoral no interior dos templos religiosos’

Peterson lembrou que a propaganda eleitoral não é permitida no interior de templos e que entidades religiosas são proibidas de fazer doações em dinheiro a candidatos

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Esta semana o Tribunal Superior Eleitoral (tse) proferiu uma decisão importante sobre o chamado “Abuso de Poder Religioso”. para falar sobre o tema, o Jornal da Cidade convidou o promotor de justiça Peterson Almeida Barbosa, que é mestre em direitos humanos, especialista em direito eleitoral e autor do livro “Abuso do Poder Religioso nas Eleições – a atuação política das igrejas evangélicas”.

Peterson lembrou que a propaganda eleitoral não é permitida no interior de templos e que entidades religiosas são proibidas de fazer doações em dinheiro a candidatos - “em que pese, lamentavelmente, se tenha notícias de drenagem informal de recursos”, comentou. na conversa, ele ainda mostra sua visão sobre a influência crescente dos religiosos na política e as consequências disso para o estado laico, além de defender a criação, em lei, do abuso de poder religioso, com possibilidade de cassação de registros ou diplomas, além da inelegibilidade. Confira a entrevista.

JORNAL DA CIDADE – O TSE concluiu esta semana um julgamento importante sobre o chamado “abuso de poder religioso”. A corte decidiu rever a cassação de uma vereadora, rejeitando instituir este abuso em ações que podem levar à cassação de mandatos. O que isto significa, exatamente?
PETERSON ALMEIDA
- Agiu acertadamente o Tribunal Superior Eleitoral ao rejeitar a proposta do Relator para que fosse assentada, a partir das eleições deste ano, a viabilidade do exame jurídico do abuso do poder de autoridade religiosa no âmbito das ações de investigação judicial eleitoral. Na prática, a meu sentir, a Corte reconheceu duas coisas: uma que, no caso específico, a prova apresentada foi insuficiente a ensejar a cassação, o que não significa dizer que, caso o fosse, não o faria. Outra que é incompetente para legislar através de suas decisões, cabendo unicamente ao Congresso Nacional suprir a lacuna legislativa.

JC - Quais as consequências para as eleições municipais deste ano?
PA - A consequência imediata é que não se poderá, pela via do ativismo judicial, cassar registros ou diplomas por eventuais incursões na novel figura, a não ser que, num esforço jurisprudencial, artificialmente se encaixe nos casos de abuso legalmente tipificados.

JC - Como o TSE vinha tratando das ações envolvendo abuso do poder religioso? Existia uma linha predominante, na corte eleitoral?
PA - O TSE vinha reconhecendo a prática como abuso de poder econômico, aplicando a chamada “técnica de entrelaçamento de poder”, à míngua de inexistir a figura própria no ordenamento jurídico, numa inequívoca deficiência no arquétipo de controle eleitoral vigente a desequilibrar a isonomia entre os concorrentes, decorrente de uma imprecisão técnica que tem prejudicado o enfrentamento judicial de hipóteses anômalas.

JC - Há ações sobre este tipo de abuso tramitando no TRE/SE? Como o TRE vem decidindo nestes casos?
PA - Desconheço, acredito que não, sei apenas de uma investigação que tramitou numa zona eleitoral da região centro-sul do Estado, na qual um deputado federal eleito teria realizado um evento supostamente religioso transmudado em político através da contratação de artistas gospel, fornecimento de transporte, alimentação etc, para fieis eleitores (ou eleitores fieis), num flagrante caso de proselitismo. Aliás, não é incomum esta espécie de evento, chamado de “cultos campestres” ou nomes similares, devendo a Justiça Eleitoral estar vigilante a estas práticas.

JC - É legal fazer campanha eleitoral dentro de uma igreja ou templo religioso? O que é permitido e o que é vetado pela legislação em vigor?
PA - Templos são bens particulares, porém de uso comum, não sendo, portanto, permitida a propaganda eleitoral em seus interiores. Ademais, entidades religiosas são proibidas de fazer doações em dinheiro, ou estimáveis em dinheiro, a partidos políticos, em que pese, lamentavelmente, se tenha notícias de drenagem informal de recursos daquelas para estes. Quanto àquilo que é permitido, é tênue a linha que separa o discurso legítimo da pressão política.

JC - Os casos de abuso do poder religioso costumam envolver também abuso do poder econômico?
PA - Como dito anteriormente, quase sempre. As campanhas eleitorais no Brasil são muito caras, como comprovam os vultosos recursos públicos que irrigam os fundos partidário e especial de financiamento de campanhas. As confissões religiosas são, em sua maioria, abastadas, seja por conta da imunidade tributária a que fazem jus, seja em decorrência da receita proveniente dos dízimos e ofertas, sendo, aliás, uma das razões pelas quais são cortejadas pelos partidos e seus candidatos.

JC - Grupos religiosos crescem na disputa política e começam a questionar ou relativizar conceitos como o estado laico e o debate político dentro das instituições religiosas. O senhor vê isso como uma ameaça à democracia?
PA - Levitsky e Ziblatt, em sua obra “Como as Democracias Morrem”, discorrem como fenômenos políticos, culturais e sociais apontaram para a erosão de princípios democráticos em diversos países. No caso brasileiro, o crescimento sem precedentes a nível mundial das igrejas neopentecostais, seja em membresia seja em termos de poder econômico e midiático, e sua subsequente conquista do poder político, é, sem dúvidas, um fenômeno sociologicamente relevante que, em que pese nada tenha de original, já que a aproximação igreja/Estado está na origem de nosso país, pode ensejar visível ameaça à laicidade. Em menos de 15 anos seremos o maior país evangélico do mundo, e quem detém mais de 30% de uma população não vai abrir mão de ter voz política, o que é legítimo e arriscado a um só tempo.

JC - Como a população pode denunciar este tipo de abuso no período eleitoral?
PA - Costumo dizer que este tipo de abuso é mais fácil de ser visualizado que provado. O engajamento evangélico, a fidelidade às lideranças verticalizadas e centralizadas, o temor reverencial, e mesmo a carga transcendental infringida neste assédio, algumas vezes embalado em sessões de transe, torna difícil sua denúncia, a qual, uma vez havendo interesse, deve ser feita ao defensor maior da sociedade, o Ministério Público, mormente o Eleitoral. Em suma, procure o promotor de Justiça de sua cidade e denuncie.

JC - Qual seria a solução definitiva para evitar que casos de abuso do poder religioso se repitam em Eleições?
PA - Caberia ao Congresso Nacional suprir a lacuna legislativa. Passou da hora de ser incorporada esta quarta figura à tríade legislada (abusos do poder econômico, político e midiático). Somente com a factível possibilidade de cassação de registros ou diplomas, além da inelegibilidade por oito anos, é que religiosos que se aproveitam da vulnerabilidade econômica e intelectual de teístas cessariam com estas práticas abusivas. Em não sendo possível, já que é cediça a força da chamada “Frente Parlamentar Evangélica”, alternativas como o fim da imunidade tributária para as igrejas que lançassem candidatos ou a desincompatibilização das atividades eclesiais de religiosos que resolvessem se candidatar poderiam ser pensadas, com vistas a se preservar a igualdade de forças entre os candidatos. Por fim, vejo como um ato de covardia, para dizer o mínimo, alguém que se diz temente a Deus se aproveitar da fragilidade que via de regra conduz alguém a um templo para pedir (ou exigir) o seu voto.

Por Max Augusto
Foto: Divulgação