20/04/2024 as 07:26

ENTREVISTA

“Eu temo pela minha vida por ser uma mulher trans eleita vereadora e deputada estadual”



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ENTREVISTA com Linda Brasil | Vereadora e deputada estadual

Eleita vereadora e deputada estadual por um partido de esquerda, o PSOL/SE, Linda Brasil denunciou na semana passada que sofreu a terceira ameaça de morte. Confessa: “eu temo pela minha vida”. E acrescenta, em entrevista ao Jornal da Cidade: “Estou ocupando um espaço que, até pouco tempo atrás, era inimaginável que uma travesti pudesse ocupar. E estou lá, denunciando, escancarando a perversidade de um sistema composto por uma direita reacionária”. A primeira ameaça lhe foi direcionada via e-mail em junho de 2023, a segunda a menos de um mês depois, ainda em março deste ano, e a terceira agora, dia 13 de abril, quando completou mais um ano de vida. Linda Brasil tem suspeitas. “Há uma suspeita que esases e-mails tenham sido disparados por um grupo dae criminosos que atua por meio da dark web, que é uma parte da internet usada para atividades ilegais”, declarou, garantindo que não vai se calar, mas deseja que os fatos sejam apurados e que haja punições para quem deseja lhe tirar a vida. A deputada disse ainda que mantém o seu nome à disposição do PSOL para disputar a Prefeitura de Aracaju, mas votará e pedirá votos para Niully Campos se o nome dela for o escolhido.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.


Por Eugênio Nascimento

JORNAL DA CIDADE - A que a senhora atribui essa mais nova ameaça de morte?
LINDA BRASIL - Nós estamos no país em que assassinam uma pessoa transexual a cada três dias, de acordo com dados do relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Os dados científicos nos mostram que a expectativa é que esses números cresçam em 2024, inclusive, nos estados do Rio de Janeiro e Paraná, onde as mortes de pessoas transexuais dobraram em 2023. Descrito o cenário, eu temo pela minha vida por ser uma mulher trans, eleita democraticamente com votações expressivas, sendo a vereadora mais votada e a deputada mais votada em Aracaju, que defende os interesses do povo sergipano.
Estou ocupando um espaço que, até pouco tempo atrás, era inimaginável que uma travesti pudesse ocupar. E estou lá, denunciando, escancarando a perversidade de um sistema composto por uma direita reacionária, com um conservadorismo que assassina e mata. As nossas lutas ameaçam esses projetos de poder, dominação, castradores e dogmáticos. As nossas lutas, que são espelhadas no projeto político da vereadora assassinada Marielle Franco, intimida e amedronta aqueles que são os verdadeiros responsáveis por tanta desigualdade, violência, devastação do meio ambiente, exploração da população negra e periférica, dos povos originários e das comunidades tradicionais, e de todas as populações vulnerabilizadas. Ter uma pessoa como eu subindo na tribuna todas as semanas, denunciando as relações perigosas entre o empresariado e os projetos políticos que estão aí no poder, conscientizando a população e lutando por um processo de transformação social de verdade, faz com que se sintam ameaçados.

JC - E as outras duas ameaças?
LB - Ao todo, foram três ameaças, todas por e-mail institucional e todas extremamente violentas. Essa última, recebi no último dia 13, ou seja, na data do meu aniversário, e teve conotação sexual pela primeira vez. Também vieram fotos anexadas com conteúdo violento. A primeira ameaça eu recebi em junho de 2023, a segunda em menos de um mês, ainda em março e a terceira agora, dia 13 de abril. Todas as ameaças foram formalmente levadas à Secretaria de Segurança Pública e à Polícia Federal, que estão fazendo uma investigação sobre os casos.

JC - A senhora suspeita de alguém? Por quê?
LB - Há uma suspeita que esses e-mails tenham sido disparados por um grupo de criminosos que atua por meio da dark web, que é uma parte da internet usada para atividades ilegais. O acesso à dark web requer o uso de softwares específicos, que garantem o anonimato dos usuários. Com esse tipo de ação anônima, esses criminosos agem cometendo uma série de crimes. Existe uma linha de investigação que consegue associar as ameaças destinadas a mim, aos ataques sofridos por várias parlamentares de esquerda, feministas, transfeministas, que atuam em defesa da classe trabalhadora, em defesa dos direitos humanos, principalmente, as parlamentares que se inspiram no projeto político da vereadora assassinada Marielle Franco. Inclusive, vale reforçar que sofri o segundo ataque exatamente na semana em que se completou seis anos dos assassinatos de Marielle e Anderson.

JC - Haveria alguma motivação política por trás dessas ameaças? E por quê?
LB - Pelo contexto que se apresenta, há motivação política, pois está expresso o pedido de renúncia ao meu cargo de deputada. As mensagens, com teor transfóbico, buscam pressionar para que eu deixe o cargo. Todos os e-mails enviados são parecidos. E esses e-mails são parecidos também com os enviados para aquelas pessoas que se definem defensoras dos direitos humanos, mulheres negras, mulheres LGBTs, mulheres quilombolas e indígenas que estão fazendo um trabalho corajoso e aguerrido nas instituições parlamentares Brasil afora, como pontuei anteriormente. Essa é a terceira vez que sou ameaçada em função do cargo político para o qual eu fui eleita. Infelizmente, a cada ameaça, eu me sinto mais desprotegida, pois, se de um lado para mim a questão se agrava, do outro, parece haver uma banalização das ameaças e, no limite, uma banalização da minha vida.

JC - Diante do seu engajamento político em prol das minorias e dos direitos humanos, como você interpreta as ameaças que você e outras parlamentares progressistas têm enfrentado?
LB - O meu existir é político. Uma mulher transexual, professora e mestra formada pela Universidade Federal de Sergipe, com um mandato progressista, aguerrida com as lutas das maiorias minorizadas e com a garantia dos direitos humanos, incomoda esses projetos de poder, que buscam lucrar em detrimento do sofrimento do povo, da classe trabalhadora, das pessoas que mais precisam. E a prova está nessas ameaças, que, como falei, não sou só eu quem recebo, são as parlamentares que estão envolvidas com essas defesas e garantias.

JC - A senhora está fora do páreo eleitoral para a Prefeitura de Aracaju. Vai se fazer presente na campanha?
LB - Eu não me considero fora do páreo para a prefeitura de Aracaju. Se o meu partido reavaliar a decisão tomada pela diretoria municipal, o meu nome está à disposição. O que costumo dizer é que esse pleito só acaba com a oficialização da candidatura das convenções partidárias. As pesquisas já mostraram que o meu nome é o melhor avaliado da esquerda para essa disputa. Não apenas as pesquisas, mas a própria reivindicação da população e dos movimentos sociais. Em menos de uma semana, tivemos um abaixo assinado com cerca de 600 assinaturas de apoio, respaldando o meu projeto político e reivindicando o meu nome na disputa. À companheira Niully, meu máximo respeito e admiração. Estaremos juntas, caso o nome dela seja oficializado na convenção do Psol Aracaju. Mas, não posso deixar de reforçar que essa decisão foi tomada de maneira inédita apenas pela direção do partido, sem ouvir a militância em plenárias de base como tradicionalmente era feito no Psol. Uma decisão tomada de maneira isolada, refletindo apenas a posição de uma única tendência, a Primavera Socialista, da qual fazem parte o ex-deputado estadual Iran Barbosa e Niully.

JC - Vai estar engajada na campanha da candidata do seu partido?
LB - Sim. Com certeza. O que venho defendendo por onde passo é que a esquerda precisa de união, precisa estar unida para derrotarmos esses projetos políticos coronelistas, neoliberais, fundamentalistas, que se apresentam como solução para Aracaju, mas, na verdade, são prejudiciais porque representam o mesmo projeto de manutenção dos privilégios, das desigualdades econômicas, sociais, raciais, políticas e de gênero. Queremos que Aracaju não tenha apenas uma mulher prefeita, mas uma mulher de esquerda que seja comprometida com as pautas sociais, com a trabalhadora e o trabalhador, que seja preocupada em as agendas que busquem tirar a população mais vulnerabilizada das situações de violências e que tenha uma Prefeitura porta aberta para o seu povo e suas representações.

JC - Os seus próximos passos políticos serão disputar a reeleição? Alçará novos voos?
LB - Eu estou comprometida com meu mandato na Alese. Como vocês têm acompanhado, temos travado verdadeiras lutas na “Casa do Povo”. Infelizmente, tem uma oposição muito pequena, mas estou na liderança dessa oposição, que é combativa e comprometida com o povo. Não nos deixamos ser cooptados pelo governo do estado ou pelo governador. Digo com muita tristeza que o que estamos vendo na Alese é frustrante. O governo, que tem uma base ampla, é quem dita as regras. Um governo que manda projetos de última hora, que consegue aprovar tudo sem discussão ampla, sem um debate sobre os impactos desses projetos, simplesmente porque detém o poder graças aos privilégios políticos que proporcionam a quem o segue. Temos denunciado essa falta de diálogo, de comprometimento, de um parlamento forte e livre. Esse tem sido o meu foco. Trabalhar para o povo sergipano. Defender o povo das perversidades governistas. Denunciar os descasos e combater essas perversidades do projeto político de Mitidieri. Os próximos passos dependerão do povo e das suas sinalizações. No momento, o meu nome segue à disposição para concorrer à Prefeitura de Aracaju, como pede o povo e as pesquisas.

JC - Quais as suas proposituras que viraram leis em SE? Quantos projetos apresentou nestes dois anos de mandato?
LB – Em 2023 nós aprovamos oito projetos de lei (PLs), entre eles o Projeto de Lei que reconhece as pessoas que têm fibromialgia como Pessoas com Deficiência (PcD), o PL que institui o Abril Verde, Mês de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, e o PL que garante o direito à presença de Doulas acompanhando as parturientes nas maternidades de Sergipe. Agora, no mês de março, protocolei mais oito projetos voltados à mulher, com o objetivo de garantir direitos às sergipanas em diversas áreas, como no mercado de trabalho, ciência, saúde, moradia e assistência social. São oito projetos de lei que buscam corrigir falhas históricas e que fazem parte de demandas reivindicadas pelos movimentos sociais e pela população. Infelizmente, nós, mulheres, ainda sofremos diversos tipos de violências e temos os nossos direitos mitigados. Isso ainda é reflexo de toda estrutura machista que não começou agora, mas desde a época da colonização do nosso país. Desde lá, as mulheres sempre foram violentadas, invisibilizadas e colocadas numa condição em que não eram detentoras de direitos em igualdade com os homens. Apesar dos avanços, ainda temos muito o que enfrentar para que, de fato, tenhamos os mesmos direitos. Esses projetos são essenciais para que as sergipanas tenham acesso a direitos essenciais, mais dignidade, cidadania e proteção. Além dos projetos, apresentei mais de 600 proposituras e mais de 150 propostas de emendas à Lei Orçamentária Anual (LOA), ao Planejamento Plurianual do Estado e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Esse é um movimento fundamental para mim, pois acredito que a eficiência no orçamento público vem do atendimento às complexidades da população. É muito importante que destinemos o orçamento público, as emendas parlamentares para a população, para melhorar, de fato, a vida da cidadã e do cidadão sergipano. Fiz isso em 2023, e quero continuar fazendo, por meio das emendas parlamentares, de forma cada vez mais efetiva, e essa efetividade vem de ouvir as pessoas e atender as reais necessidades delas do meu estado.