18/05/2018 as 13:07

Luta Antimanicomial

Usuários e especialistas discutem mudanças na política de saúde mental

Hoje é lembrado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

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Usuários e especialistas discutem mudanças na política de saúde mentalFoto: Fábio Pozzebom/Arquivo Agência Brasil

Uma série de atividades foi programada hoje (18) pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) para marcar o Dia Nacional da Luta Antimanicomial em várias cidades. Florianópolis promove a 2ª Caminhada do Orgulho Louco e o Surto coletivo, no centro da cidade. Na sede do Ministério Público do Estado do Amazonas haverá a Roda de Conversa em Saúde Mental. A programação completa está disponível no site do conselho.

 

“Criado num bocado de Brasil”. Foi assim que Cledisson de Oliveira Bezerra resumiu o próprio passado, marcado pela vivência em ruas de diferentes cidades brasileiras e pela luta para superar problemas decorrentes do uso abusivo de drogas. No presente, a realidade é outra. “Empoderado”, como definiu, com “autoestima lá em cima”, agora ele tem residência fixa e um objetivo: lutar em defesa da saúde mental e contra os manicômios.

 

A mudança começou quando foi orientado a buscar apoio em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em Belo Horizonte. “Eu não fui no começo porque fiquei com preconceito de ser um manicômio, com medo de ficar preso, então relutei. No dia em que eu fui, no primeiro dia, me receberam em uma casa, não tinha nenhum aspecto de manicômio, e quem me atendeu foi uma técnica muito bem-educada, por sinal. Quando eu consegui desabafar o que sentia de ruim que me fazia viver naquela vida, parece que tirei um peso de dentro de mim. A partir daí, a saúde mental abriu um campo enorme de possibilidades para sair daquela vida”, lembrou.

 

Para evitar recaídas, Cledisson buscou nova experiência. Conseguiu dinheiro para comprar uma moto e saiu pelas estradas brasileiras, trocando serviços por gasolina e alimentação. Aprendeu, assim, que a saída estava na liberdade, não no aprisionamento. Fixou-se no Distrito Federal, escolha feita depois de ter conhecido a mulher que viria a se tornar sua companheira. Aqui, seguiu o tratamento, apesar das dificuldades que, na opinião dele, cresceram nos últimos anos.

 

“De repente, o Caps em que eu fazia o tratamento começou a perder profissionais e ninguém voltava, começou a acumular lixo e defeitos. Os usuários até reclamavam, mas ninguém fazia nada”, relatou. A percepção não é apenas de Cledisson.



Debate 



Reunidos em debate promovido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) nessa quinta-feira (17), especialistas destacaram o que consideram retrocesso na política de saúde mental, a começar pela revisão do conceito orientador da política, estabelecido há 30 anos: a reforma psiquiátrica.

 

A reforma orienta que a abordagem de pessoas com transtornos mentais ocorra com a menor intervenção possível, valorizando a atenção de base comunitária e não a segregação em hospitais ou o tratamento em manicômios. Essa perspectiva tem como marco, no Brasil, o Congresso de Trabalhadores de Serviços de Saúde Mental, realizado em 1987, quando foi aprovado o texto “Por uma sociedade sem manicômios”, que inaugurou nova trajetória do setor no país e resultou na reforma psiquiátrica, que passou a orientar as políticas em 2001.

 

Professor, pesquisador e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Paulo Duarte de Carvalho Amarante acompanhou de perto esse processo. “A reforma psiquiátrica é o rompimento com uma trajetória de exclusão daquilo que chamamos de loucura”, disse. Em seguida, acrescentou que o movimento levou ao “deslocamento do pensar [sobre] o comportamento diverso, adverso, como algo que não siga o modelo biomédico”.

 

Em sua avaliação, essa forma de ver a questão da saúde mental está mudando. Como exemplos, cita a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais especializados e a inclusão das comunidades terapêuticas à Rede de Atenção Psicossocial, o que ocorreu no ano passado. À época, o Movimento da Luta Antimanicomial e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) apresentaram contrariedade com a nova política, por entender que ela reforça a lógica da internação e, com isso, da segregação das pessoas que sofrem com problemas mentais. O governo federal sustentou que as mudanças não iam de encontro às premissas da reforma psiquiátrica e priorizou a rede de Caps.

 

Para o presidente do CFP, Rogério Giannini, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) devem ser fortalecidos e a saúde ser entendida como um direito universal. Além disso, não devem ser reforçados preconceitos contra a população usuária das políticas de saúde mental.

 

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, disse que a questão está na base da democracia, pois esse regime está assentado na ideia de que todas as pessoas são sujeitos de direitos. “A democracia parte principalmente da perspectiva de que as sociedades nacionais são plurais, com várias conformações de identidade, percepções de mundo, de vida”. Por isso, ela defende que todas essas visões sejam consideradas na elaboração e execução das políticas de saúde mental. “Só é possível falar em saúde mental se tivermos as pessoas afetadas participando dessas políticas”.

 

Por Agência Brasil