20/08/2018 as 08:53

Entrevista

“Infertilidade deve ser encarada como um problema do casal”

Para desmistificar o assunto e esclarecer como funciona a fertilização in vitro, conversamos com a Dra. Elaine Rodrigues, ginecologista especialista em reprodução.

COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA

Por: Lara Aguiar

O fantasma da infertilidade ainda assusta muitos casais que convivem com a angústia de não conseguir engravidar. Se já é difícil para quem busca tratamento, imagine para quem tem tanto receio que prefere não fazer exames e não conhecer o próprio corpo, esperando que a gravidez ocorra normalmente mesmo depois de tantas tentativas frustradas. Aliado a esse medo, ainda tem o preconceito dos homens, que muitas vezes atribuem somente à mulher a questão da infertilidade, sendo que pelas estatísticas, em 50% dos casais inférteis o problema está no homem. Para desmistificar o assunto e esclarecer como funciona a fertilização in vitro, conversamos com a Dra. Elaine Rodrigues, ginecologista especialista em reprodução. Acompanhe a entrevista abaixo.

                                                          

REVISTA DA CIDADE - Por que a procura pela especialidade da reprodução assistida tem crescido tanto?
ELAINE RODRIGUES - Infelizmente, a incidência de casos de infertilidade só tem aumentado com o tempo. Pelas estatísticas, cerca de 15% dos casais em idade reprodutiva terão alguma dificuldade de conseguir uma gestação espontânea. Isso se deve não só à piora da qualidade de vida global, com o aumento de fatores como obesidade, sedentarismo, estresse elevado, uso de álcool e outras drogas (que afeta a capacidade reprodutiva de homens e mulheres), quanto à própria mudança comportamental e social dos casais. Em busca de estabilidade financeira e profissional, as pessoas têm optado por engravidar cada vez mais tarde. E a idade é um fator fundamental no sucesso da realização do sonho de se ter um bebê em casa.

RC - Quais os principais métodos da reprodução assistida?
ER - Existe uma gama de procedimentos que vai de intervenções simples, como o coito programado, quando o casal tem relações sexuais normalmente após ter o período de ovulação sinalizado pelo especialista, até procedimentos de complexidade intermediária, como a inseminação artificial, que consiste na transferência do sêmen para dentro do útero, através de um pequeno cateter, após seu processamento em momento específico. Por fim, temos métodos de complexidade avançada, como a fertilização in vitro, quando os gametas femininos e masculinos são manipulados fora do corpo, em laboratório, e transferidos posteriormente para o útero materno.

RC - Como é realizado o procedimento? É indolor ou causa efeitos colaterais na mulher?
ER - Na grande maioria das vezes, as mulheres submetidas a tratamentos de fertilidade precisam tomar drogas que as induzem a ovular de maneira mais efetiva. Essas drogas podem ser usadas por via oral ou subcutânea, a depender de cada caso e necessidade. Apesar de haver uma preocupação dessas mulheres quanto a efeitos colaterais, se bem conduzido pelo médico assistente, esses tratamentos têm efeitos adversos mínimos e absolutamente contornáveis.

RC - Algumas pessoas apresentam doenças ou resolvem ser pais e mães muito tarde. Nesses casos, a fertilização in vitro é indicada?
ER - A preservação da fertilidade tem se mostrado um caminho muito efetivo para pacientes que desejem ou precisem postergar a maternidade. No caso de algumas doenças, como o câncer com indicação de tratamento quimio e radioterápico, o congelamento de óvulos ou sêmen é uma excelente alternativa para manter a chance de uma gravidez saudável posterior.
Em se tratando de mulheres que não planejem ou desejem engravidar antes dos 35 anos por motivos diversos, é muito importante que as mesmas se preocupem em procurar um especialista para que sua reserva ovariana seja investigada, e caso haja necessidade, se opte pelo procedimento de congelamento de óvulos ou embriões para uso mais tardio. Quanto mais cedo for realizado o tratamento, melhores os resultados.

RC - Quais as chances de sucesso dos tratamentos?
ER - A taxa de sucesso dos procedimentos em baixa complexidade gira em torno de 20% por tentativa. Nos procedimentos de alta complexidade, esse índice varia entre 40 e 50%. Pode parecer pouco, mas tome-se como dado que um casal sem qualquer problema de fertilidade tem 20% de chance de engravidar num ciclo/ mês. As técnicas de reprodução têm se mostrado um caminho muito viável na realização dos sonhos de tantos casais. O importante é não desistir.

RC - Tem ficado cada vez mais acessível? Ou ainda é algo que repele as pessoas, seja pelo custo, pelo tabu ou pela falta de informação sobre o assunto?
ER - A reprodução humana é uma especialidade que vem apresentando cada vez mais crescimento e investimento, através de estudos científicos e avanços tecnológicos. Necessita de pessoal altamente treinado e capacitado, tanto na área médica, como na laboratorial, genética e de medicamentos. Tudo isso implica num custo realmente elevado. No entanto, por se tratar de um assunto de ordem tão importante, que vem sendo objeto de maior divulgação pelas mídias, e tem tanto impacto na vida de tantos casais, espero que em breve deixe de ser um campo pouco procurado para fazer parte de uma realidade mais acessível.

RC - Ainda se acredita que as mulheres sejam as principais responsáveis pelos problemas de fertilidade? Os homens resistem muito à realização de exames e tratamentos?
ER - A infertilidade deve ser sempre encarada como um problema do casal, já que traz frustrações, ansiedade e preocupações para ambos. Felizmente, devido ao aumento do acesso das pessoas a informações sobre a reprodução, está se tornando mais frequente a procura do casal, e não só da mulher, aos esterileutas. Os exames masculinos são simples e muitas vezes se resumem a um simples espermograma. Quanto às estatísticas, temos que 30% das causas de infertilidade são exclusivamente femininas, 30% masculinas, 30% de ambos os parceiros e 10 % de causa inaparente ou não determinada. Isso mostra a importância de uma avaliação abrangente na investigação diagnóstica.

RC - A fertilização in vitro também serve para quem quer fazer produção independente e para casais homoafetivos?
ER - Isso já é uma realidade e vem crescendo a cada dia. Pessoas solteiras podem perfeitamente ser pais ou mães através de um gameta de doador. Casais homoafetivos podem usar óvulos ou espermatozoides de um dos parceiros. No caso da doação, óvulos e sêmen devem ser doados de forma anônima. Já no caso da cessão temporária de útero, um parente pode ser a pessoa a carregar o filho tão sonhado pelo casal.