12/05/2020 as 17:13

RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS

Justiça determina que bancos esclareçam propaganda enganosa

Empresas e pessoas físicas relataram dificuldades para ter acesso à pausa de 60 dias no pagamento de parcelas de crédito

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Os bancos terão que informar aos clientes de forma clara e precisa a diferença entre prorrogação e renegociação de dívidas, assim como explicitar se haverá a incidência de juros e demais encargos e que a renegociação não é automática. A determinação é do juiz Sérgio Caldas Fernandes da 23ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que atendeu parcialmente pedido do Instituto de Defesa Coletiva (IDC) em uma ação civil pública contra a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Banco do Brasil, o Bradesco, o Itaú e o Santander.

Segundo o IDC, a ação denuncia o não cumprimento de medidas anunciadas pelos bancos de prorrogação do pagamento de dívidas de clientes com os bancos durante a pandemia de covid-19.

Em março deste ano, os bancos anunciaram a prorrogação de dívidas de clientes pessoas físicas ou micro e pequenas empresas com os cinco maiores bancos do país, por até 60 dias. Entretanto, empresas e pessoas físicas relataram dificuldades para ter acesso à pausa de 60 dias no pagamento de parcelas de crédito.

Na ação, o IDC citou casos de clientes que não conseguiram acesso à medida e receberam diversas justificativas dos bancos, como a celebração do contrato com a instituição financeira ter sido feita fora da agência, estar adimplente com o contrato, mas com data de vencimento próximo ao pedido ou ter firmado contrato com banco financiador integrante do grupo econômico.

 

Filas se formam em frente a bancos e supermercados no Flamengo, zona sul da cidadeDecisão da Justiça

“Defiro em parte a tutela de urgência para determinar que os requeridos publiquem informação, correta e com igual divulgação, diante da incompletude da nota emitida pela Febraban e informações/publicidade realizadas pelas instituições bancárias, com a explicação de forma clara e precisa para os consumidores sobre qual produto está sendo ofertado, as diferenças entre “prorrogação” e “renegociação”, assim como realçar se no período de prorrogação ou renegociação da dívida haverá a incidência de juros e demais encargos, a depender do percentual pactuado, bem como que a renegociação não será realizada de forma automática pela instituição financeira. Determino o prazo de 48 horas para cumprimento”, diz o juiz.

Na decisão, o juiz lembra que na oferta de crédito pelas instituições financeiras, a informação deve conter, no mínimo, sua natureza, prazo de carência, provisão de juros, incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e demais encargos como as tarifas. “Caso se trate de uma renegociação, é essencial que se esclareça de antemão se se trata de prorrogação, novação, refinanciamento, diferimento ou qualquer outro negócio jurídico que implique alteração nos prazos de vencimento ou das condições de pagamento originalmente pactuadas”, destaca o juiz.

O juiz lembra que ao divulgar a prorrogação de dívidas, os bancos disseram estar “sensíveis ao momento de preocupação dos brasileiros com a doença provocada pelo novo coronavírus”, tendo a metida o objetivo de “amenizar os efeitos negativos dessa pandemia no emprego e na renda”. “A referida publicidade tem o condão de criar legítima expectativa nos consumidores de que novas modalidades de operação de crédito mais favoráveis seriam oferecidas, distintas das já existentes, ou que o pagamento seria diferido sem aumento dos encargos pelo período aventado. Em suma, os consumidores foram atraídos para os seus bancos com a expectativa de que seria postergada a data do pagamento dos seus compromissos ou que lhes seriam oferecidas condições especiais para ultrapassarem este difícil momento”, diz o juiz.

Entretanto, acrescenta o juiz, a publicidade das medidas pode ser classificada como enganosa. “As indicações trazidas levam a crer que, na prática, estão as instituições bancárias praticando alongamentos das parcelas, com o acréscimo proporcional dos juros remuneratórios no patamar contratado e IOF sobre a carência adicional no saldo devedor, retirando a confiança despertada pela publicidade original, esta que deve ser considerada como enganosa”.

O advogado Márcio Casado, que representa do IDC na ação, diz que agora é preciso que os bancos cumpram a determinação judicial. “O primeiro passo é fazer cumprir a liminar. Febraban e bancos devem editar contrapropaganda - um recall contra fake news, basicamente - deixando claras as condições para a concessão dos créditos, bem como explicando se são prorrogações ou novas operações de crédito”, disse.

Na ação, o IDC lembra que os bancos receberam ajuda para ter recursos disponíveis (liquidez) e assim dar fluidez ao crédito. Ao todo, as medidas anunciadas têm o potencial de ampliar a liquidez do sistema financeiro em R$ 1,217 bilhão, equivalentes a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). “A prorrogação dos prazos de empréstimo e financiamento seria a contraprestação das instituições financeiras para promover a liquidez também aos consumidores. Assim sendo, é possível vislumbrar que a prorrogação das parcelas não é uma medida de solidariedade, tampouco de apoio voluntário aos consumidores, mas, sim, uma contraprestação decorrente das medidas adotadas pelo Conselho Monetário Nacional”, argumenta Casado.

Na ação, o IDC também pediu que as ofertas disponibilizadas no site da Febraban e das instituições financeiras garantam à prorrogação de contratos de empréstimo e financiamento, sem a incidência de qualquer juro moratório ou remuneratório, ou encargo de nova operação de crédito. Também pede que sejam criadas regras e critérios objetivos para aplicação das medidas de forma isonômica, sem cunho discriminatório para a prorrogação/renegociação dos contratos de empréstimo e financiamento explicitando quem são os consumidores contratantes que têm esse direito, quais são as condições contratuais para exercer esse direito, quais são os encargos e qual é o custo efetivo total incidente.

A ação ainda propõe prorrogar a medida de enfrentamento à pandemia divulgada em 15 e 16 de março, por mais 60 dias, a partir de seu término. Outro pedido foi para que todos os consumidores que possuem contratos de empréstimo e financiamento com bens dados em garantia, incluindo os inadimplentes desde o dia 20 de fevereiro de 2020, bem como os que possuem contratos de empréstimos consignados também possam ter prorrogação de dívida. Entretanto, o juiz só aceitou o pedido de correção na publicidade feita pelos bancos. “Em relação aos demais pedidos liminares, tenho que não devam ser acolhidos neste momento em sede de processo coletivo”, disse o juiz.

 

 

|Fonte: Agência Brasil
||Foto: Tânia Rego/AB