28/03/2023 as 08:18

PROJETO

PPP da Saúde em Aracaju pode acarretar na privatização do SUS

Entidades sindicais apontam inconstitucionalidade do projeto

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PPP da Saúde em Aracaju pode acarretar na privatização do SUS

A Prefeitura de Aracaju vem, desde o mês de fevereiro, dando andamento à construção de um projeto de parceria público-privada da saúde (PPP) do município, em que pretende destinar para o setor privado recursos financeiros para a ampliação das Unidades Básicas de Saúde (UBS), bem como a manutenção, administração e a operação. A primeira etapa do projeto já está praticamente concluída após passar por consulta e audiência pública. No entanto, para entidades sindicais das áreas da saúde de Aracaju essa parceria poderá acarretar na privatização do Sistema Único de Saúde (SUS) e por isso ela não deve ser aprovada. De acordo com a secretária municipal da Saúde de Aracaju, Waneska Barboza, a gestão tem, por meio desta PPP da Saúde, o objetivo de trazer uma prestação de saúde pública para a população de forma eficiente, garantindo os resultados que a população espera.

A secretária afirma, inclusive, que já existem parcerias neste modelo que “vem sendo amplamente realizadas no Brasil”. “O setor público precisa investir em infraestrutura e precisa dar uma saúde de qualidade à população. Mas muitas vezes ele não tem aquele montante de dinheiro no momento. Enquanto isso, o setor privado tem o dinheiro, quer investir e quer contribuir com a melhoria da prestação dos serviços de saúde. Então, juntamos as duas coisas em uma parceria entre o público e o privado, baseado em leis específicas, onde o privado fará esse empréstimo ao poder público, que, por sua vez, deverá pagar prestações ao longo do contrato.

No nosso caso de Aracaju, vai durar 25 anos”, explica a gestora. Mas enquanto a gestão municipal enxerga na PPP uma possibilidade de aumentar a capacidade e qualidade dos serviços prestados na Rede de Atenção Primária de Aracaju, entidades sindicais, profissionais, servidores e a população apontam irregularidades e inconstitucionalidade no processo, bem como acreditam que o novo modelo trará consequências muito próximas do que seria se houve uma privatização do sistema. O advogado Adão Alencar, que esteve nesta segunda-feira, 27, na sessão da Câmara Municipal de Aracaju (CMA), afirma que “há uma preocupação muito grave sobre o caráter democrático do processo”, já que a prefeitura não tem dado o devido espaço para uma ampla discussão sobre este modelo de parceria que ela visa implantar.

Além disso, o advogado aponta inconstitucionalidade dentro projeto referentes à própria Constituição Brasileira e a Lei Orgânica Municipal de Aracaju aplicada sobre as PPPs. “Temos visto pouco se debater sobre um projeto que vai destinar cerca de R$ 2,3 bilhões por mês para a iniciativa privada. Pouco tem sido debatido sobre um projeto que vai deixar na mão do poder privado, 12 Unidades Básicas de Saúde, durante 25 anos. A prefeitura não tem se colocado para fazer esse debate. Reafirmo que a saúde pública é uma garantia da nossa legislação, a partir da CF, nos artigos 196 e 198, onde estabelece que Município, Estado e União, devem gerir o sistema de saúde pública a partir de uma característica de acesso universal, igualitário e público. Essencialmente, o nosso sistema de saúde é público. A PPP não é ilegal, mas ela exige e estabelece uma série de requisitos que ao nosso sentir não estão sendo observados pela Prefeitura Municipal de Aracaju”, argumenta o advogado durante fala na tribuna da CMA. Ainda conforme Adão, uma parceria público-privada, conforme a lei federal de nº 11.079/2004 e a lei municipal nº 4.476/2013, consiste em um contrato de concessão firmado entre o poder público e o mercado privado, que tem como intuito garantir o financiamento para a construção, renovação, gestão e manutenção da prestação de um serviço.

A partir disto, segundo o advogado, apesar de haver divergências na conceituação jurídica entre uma privatização e uma parceria público-privada, a conceituação política e as consequências de uma PPP são semelhantes às de uma privatização, portanto, para ele, o que acontecerá caso a PPP da Saúde em Aracaju for aprovada “será uma privatização do SUS da capital”. “Serão 25 anos em que 12 unidades de saúde vão estar nas mãos do modelo privado. Daqui a 25 anos não sabemos qual será o cenário. Então, temos que dar nome às coisas como elas verdadeiramente são: é a privatização do nosso sistema de saúde. A PPP pretende destinar R$ 105 bilhões por ano para uma empresa vencedora, via licitação, para a gestão de um centro materno-infantil que será construído, além da operação e manutenção de 12 UBSs e seis Polos de Academia da Cidade (PACs). Em contrapartida, não temos nenhum estudo que demonstre que é mais viável esse montante ficar nas mãos de uma empresa privada, do que na mão do município. Não tem nada que justifique essa PPP”, enfatiza Adão.

O advogado criticou a audiência pública da PPP da Saúde realizada no dia 16 de março pela Prefeitura de Aracaju, apontando, mais uma vez, o que seria “a falta do caráter democrático do processo”. “A gestão realizou uma audiência pública para discutir um projeto de R$ 2,3 bilhões, de maneira virtual. Todas as participações foram escritas, impedindo que as pessoas dirigissem a palavra, bem como as respostas não ocorreram de maneira satisfatória. Também tem a questão que a audiência foi designada das 9h às 11h, um horário onde muitos trabalhadores não puderam participar do debate. Um projeto que vai impactar 12 bairros e cerca de 200 mil pessoas, com uma audiência que não chegou a ter 200 participantes. O processo está sendo atropelado, e a prefeitura já encara a primeira etapa como concluída. É muito grave o que vem acontecendo. Foi feito um debate de influência pública virtual esvaziado, pouco democrático”, denuncia.

A presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Sergipe e da Federação Nacional dos Enfermeiros, Shirley Morales, também enxerga a PPP da Saúde como um processo problemático para a saúde pública do município, bem como também aponta irregularidades, inconstitucionalidade e uma tentativa de privatização do sistema. Conforme Shirley, o projeto apresentado pela Prefeitura de Aracaju não existe no Brasil. “Os modelos que temos de privatização em atenção primária de saúde no Brasil são os de Belo Horizonte e Manaus e eles se dão, única e exclusivamente, para infraestrutura e para a questão do serviço das atividades de meio, que hoje já é privatizado. O principal problema dessa parceria é porque ela traz essa questão da privatização, onde nós vamos ter infrações sérias constitucionais. O cuidado da saúde é de dever do Estado. Os próprios artigos relacionados na Constituição do país versam sobre isso. E ao setor privado está delegada apenas a questão suplementar. Nós não somos a Inglaterra, nem a Espanha, nem Portugal. Nós temos um sistema único de saúde. A gente vai encaminhar essas denúncias para o Ministério Público”, garante a sindicalista.

Prefeitura de Aracaju
A gestão do município segue sob garantia de que a PPP da Saúde não visa uma privatização, e sim uma união entre o poder público e o setor privado para enfrentar desafios considerados urgentes e estruturar uma rede que assegure atendimento de saúde aos aracajuanos de maneira mais eficaz. “Há uma confusão muito grande entre as pessoas sobre se há ou não há privatização. Podemos garantir que não há uma privatização. A privatização consiste em pegar um bem público e vender com o privado. Na parceria público-privada, o bem continua sendo público. Ele apenas passa a ser administrado por um privado mediante um contrato, por um período, e mediante um pagamento de prestações de acordo com os custos que o privado vai ter para fazer essa gestão. Tem lei própria para isso e não sairá um real sequer do bolso do usuário, porque tudo será totalmente pago pelo município. O ‘x’ da questão é justamente a eficiência”, explica a secretária Waneska Barboza.

Abrangência e indicadores, de acordo com a prefeitura
O projeto de parceria público- -privada vai abranger a população das regiões 1 e 2 de Saúde, beneficiando os moradores dos bairros Farolândia, da antiga Zona de Expansão, 17 de Março, referenciados nas UBSs Antônio Alves, Augusto Cesar Leite, Augusto Franco, João Bezerra, Niceu Dantas, Santa Terezinha, Roberto Paixão, Osvaldo Leite, Elizabeth Pita, Geraldo Magela, Humberto Mourão, e Celso Daniel. A secretária Waneska Barbosa explica que foram realizados diversos estudos para mapear a demanda. “Atualmente, 41 equipes de Saúde da Família atendem essas duas regiões. Daqui a 25 anos teríamos a necessidade de ter cerca de 70 equipes de Saúde da Família. O estudo já está verificando essa projeção. Todo o investimento que será feito na infraestrutura das unidades de saúde dessas regiões já é pensando nesse crescimento populacional e crescimento das equipes de Saúde da Família que serão necessários para atender os 100% da população das duas regiões”, diz.

|Foto: Gilton Rosas