19/03/2025 as 08:16

ENTREVISTA

“Fui questionado, de forma velada ou explícita, sobre minha capacidade por ser negro”

Primeiro reitor negro da Universidade Federal de Sergipe e o mais novo a ocupar o cargo, esses são alguns dos feitos do professor doutor Valter Joviniano de Santana Filho

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Por Andrea Moura
Colaboradora do JC

Primeiro reitor negro da Universidade Federal de Sergipe e o mais novo a ocupar o cargo, esses são alguns dos feitos do professor doutor Valter Joviniano de Santana Filho, que, após quatro anos à frente da única universidade pública do estado, encerrou no dia 15 de março um mandato coroado por suplantar grandes desafios e conquistar vitórias igualmente imponentes, a exemplo da obtenção do conceito 5 da UFS junto ao ministério da educação, nota máxima que uma universidade pode alcançar. Antes de deixar o cargo, porém, ele fez mais uma importante entrega para o estado de Sergipe: o lançamento da pedra fundamental do campus que será construído no município de Estância, solenidade ocorrida na última sexta-feira, 14 de março, e que contou com a presença do ministro márcio macêdo, do vice-governador zezinho sobral, do secretário de educação superior do MEC, Marcus Vinicius David, e do prefeito de Estância, André da Graça. Antes de deixar o comando da UFS, o professor Valter Joviniano conversou com o JC e nos falou sobre os fatos que marcaram sua gestão.

JORNAL DA CIDADE - Após quatro anos à frente do cargo mais importante da única universidade pública de Sergipe, a UFS, qual é a sua sensação? VALTER JOVINIANO DE SANTANA FILHO - A sensação é de dever cumprido e de transformação. Quando assumimos a reitoria, tínhamos o compromisso de fortalecer a governança da UFS, tornar a gestão mais eficiente e inovadora, e consolidar uma cultura organizacional focada em resultados e impacto social. Hoje, vejo que avançamos significativamente neste sentido. Conseguimos fortalecer as ações de extensão, ampliar o empreendedorismo e a inovação dentro da universidade e estreitar os laços entre a UFS e a sociedade. Além disso, criamos um ambiente mais transparente, colaborativo e comprometido com a excelência acadêmica e a inclusão. Avançamos de forma sólida nos indicadores da graduação e da pós- -graduação. Ter participado deste processo de transformação e ver os resultados concretos é motivo de grande satisfação.

JC - Qual o momento mais difícil que o senhor enfrentou neste período, e por qual motivo?
VJSF - Sem dúvida, a pandemia de COVID-19 foi o período mais desafiador. Além do impacto direto na vida das pessoas e na necessidade de adaptação do ensino, enfrentamos cortes orçamentários que dificultaram ainda mais a gestão da universidade. Mesmo assim, com uma administração eficiente e estratégica, conseguimos superar esses desafios, garantindo o funcionamento da UFS, o apoio aos estudantes e a manutenção das nossas atividades essenciais. A transição para o ensino remoto emergencial, o fortalecimento da assistência estudantil e a atuação da universidade no combate à pandemia foram respostas que exigiram muito esforço e planejamento. Depois, quando começamos a retornar às atividades presenciais, implantamos o ensino híbrido e cuidadosos protocolos de segurança. E tudo funcionou a contento. Foi um momento de grandes dificuldades, mas também de aprendizado e resiliência.

JC - Em sua gestão, a UFS teve grandes avanços, tanto no âmbito acadêmico quanto na pesquisa e extensão. Cite para nós três fatos relevantes, não só para a comunidade acadêmica, mas para a sociedade, que foram frutos da sua gestão.
VJSF - Nota máxima no MEC e fortalecimento da governança – A UFS alcançou o conceito 5 na avaliação do Ministério da Educação, um reconhecimento máximo que reflete um conjunto de ações estratégicas. Isso só foi possível graças ao fortalecimento da governança universitária, investimentos diversos em infraestrutura, modernização administrativa e à ampliação das políticas de assistência estudantil, como a valorização da alimentação universitária e o fortalecimento do apoio aos estudantes em vulnerabilidade. Esses avanços consolidaram a UFS como uma referência nacional em ensino superior. O segundo ponto foi o fortalecimento da educação empreendedora e da inovação tecnológica. A criação da Agência de Inovação da UFS (AGITTE) e o fortalecimento do Centro de Empreendedorismo impulsionaram o empreendedorismo acadêmico e a pesquisa aplicada, gerando novas oportunidades para estudantes e pesquisadores. Além disso, investimentos em tecnologia e parcerias estratégicas permitiram a ampliação da inovação dentro da universidade, reforçando seu papel como motor do desenvolvimento econômico e social. Essas iniciativas caminham lado a lado com as políticas de permanência estudantil, garantindo que nossos alunos não apenas ingressem na universidade, mas também tenham suporte para se desenvolver plenamente. O terceiro ponto a ser citado diz respeito aos investimentos feitos no esporte, na cultura e na inclusão social, pois, durante a nossa gestão, fortalecemos o incentivo ao esporte e à cultura, ampliando espaços e eventos que promovem uma vivência universitária mais rica e plural. Além disso, investimos na inclusão e no bem-estar dos estudantes, expandimos nossos restaurantes por todos os campi do interior, garantindo que a UFS não seja apenas um ambiente de formação acadêmica, mas também um espaço que valoriza a diversidade, o pertencimento e a construção cidadã.

JC - A gente sabe que determinados empreendimentos são fatores agregadores e de desenvolvimento quando chegam ao interior do estado. Desta maneira, a presença de campi da Instituição em municípios sergipanos tem colaborado também com o desenvolvimento econômico e social da localidade, não é mesmo?
VJSF - Sem dúvida. A presença da UFS nos municípios sergipanos tem sido um fator decisivo para o desenvolvimento econômico e social dessas regiões. Com os campi em Lagarto, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória e Laranjeiras, a Universidade leva qualificação profissional, fomenta a pesquisa e impulsiona a economia local, gerando oportunidades para milhares de jovens e impactando diretamente a vida da população. Essa trajetória de transformação começou desde a fundação da UFS, há 57 anos, quando a instalação do campus em São Cristóvão, no final da década de 1970, modificou profundamente a realidade do município e impulsionou o crescimento do Rosa Elze. Esse é um exemplo de como a presença da universidade pode transformar realidades locais, algo que se mantém até hoje com a expansão da UFS para o interior. Por isso, acredito que Estância, próxima cidade a receber um campus da nossa Universidade, e cuja cerimônia de lançamento e da colocação da pedra fundamental aconteceram na última sexta-feira, 14 de março, com a presença de representantes de Ministérios, da prefeitura de Estância e do vice-governador Zezinho Sobral, já começa a sentir esses mesmos efeitos. Ao trazer consigo estudantes, técnicos e professores, ao investir seus recursos, pagar impostos e salários em seus campi do interior, a UFS não apenas oferece ensino superior, mas também promove o desenvolvimento e a transformação social em todas as regiões onde está presente, disseminando, desta maneira, inovação, assistência à saúde, formação de recursos humanos qualificados, cultura e ações de extensão universitária.

JC - Os hospitais universitários de Aracaju e de Lagarto são unidades de saúde importantes para os sergipanos e também para municípios de estados vizinhos, como a Bahia. Quais os investimentos e melhorias feitas nesses locais durante a sua gestão?
VJSF – Investimos fortemente, junto com a Ebserh, na ampliação da infraestrutura e na modernização dos equipamentos dos hospitais universitários. Em Lagarto, conseguimos reforçar os serviços de média e alta complexidade, consolidando o hospital como referência regional. Em Aracaju, realizamos melhorias estruturais e expandimos a capacidade de atendimento. Durante a pandemia, os HUs foram fundamentais para o combate à COVID-19, com a abertura de leitos de UTI e ações de assistência à população. Esses avanços garantiram melhor formação para nossos estudantes e um atendimento de maior qualidade à sociedade.

JC - E em 2024 a UFS conquistou a nota máxima que uma Instituição de Ensino Superior pode obter junto ao Ministério da Educação, que é a nota 5. Fale um pouco sobre essa conquista, e como ela contribui para o crescimento de Sergipe.
VJSF - Este foi um grande avanço obtido em nossa gestão! A nota 5 do MEC representa o reconhecimento da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão da UFS. É bom lembrar que antes estávamos com o conceito 3. Esse resultado reforça o papel da universidade como instituição de referência nacional e contribui diretamente para o desenvolvimento de Sergipe, ao formar profissionais qualificados, gerar conhecimento e impulsionar a inovação. Além disso, fortalece a imagem da UFS e amplia suas possibilidades de captação de recursos e parcerias estratégicas, beneficiando toda a comunidade acadêmica e a sociedade sergipana.

JC - A UFS, em sua gestão, foi a primeira universidade a fazer uma reparação histórica na cota para negros em concursos públicos, ação que, inclusive, será levada pelo diretor Executivo da EDUCAFRO, o frei David Santos, OFM, para outras IFs do país como modelo a ser seguido. Como está, na prática, esse processo de reparação?
VJSF - Essa política já está em vigor e tem sido um marco para a inclusão racial na universidade. A revisão dos processos seletivos garantiu que as cotas para negros fossem efetivamente cumpridas, corrigindo desigualdades históricas e promovendo mais diversidade. Essa medida fortalece o compromisso da universidade com a equidade racial e abre caminhos para que outras instituições adotem práticas semelhantes, ampliando o impacto dessa iniciativa em todo o país.

JC - O senhor foi o primeiro reitor negro da UFS, e também o mais jovem a ocupar o cargo. O senhor sofreu preconceito e racismo?
VJSF - O racismo estrutural está presente em diversas esferas da sociedade, e ocupar um cargo de liderança sendo um homem negro trouxe desafios adicionais. Houve momentos em que fui questionado de forma velada ou explícita sobre minha capacidade. No entanto, transformei essas dificuldades em motivação para ampliar as políticas de inclusão na UFS e reforçar a importância da representatividade. Mais do que uma experiência pessoal, essa trajetória evidencia a necessidade de continuarmos lutando por uma sociedade mais justa e igualitária.

JC - Qual o principal legado que a sua gestão deixa para a UFS e para o estado de Sergipe?
VJSF - Acredito que o principal legado seja a consolidação da UFS como uma universidade pública de excelência, inclusiva e comprometida com a sociedade. Atingimos grandes marcos, como a nota máxima no MEC, a ampliação dos hospitais universitários, o fortalecimento da pesquisa e da extensão, além da implementação de políticas de inclusão racial. Deixamos uma universidade mais estruturada, organizada, mais diversa e mais preparada para os desafios do futuro. Novos servidores já foram admitidos, novos cursos chegarão, um complexo de prédio passará a funcionar na sede definitiva de Nossa Senhora da Glória, um novo campus surgirá em breve em Estância. Os próximos anos serão de colheita. É uma satisfação grande ter ajudado a plantar as boas coisas que virão.

JC - Quais são os próximos planos do Dr. Valter Joviniano?
VJSF - Neste momento, minha prioridade é concluir a gestão com a mesma dedicação e responsabilidade que nos trouxeram até aqui. Depois disso, seguirei contribuindo para a educação e para o desenvolvimento do país, seja na academia, na gestão ou em outras frentes que me permitam continuar trabalhando em prol do desenvolvimento de Sergipe e do Brasil. A educação sempre foi meu caminho, e seguirei nesse compromisso