11/10/2021 as 07:58
VIDASergipe não realiza mais transplantes há quase uma década, com exceção de córnea.
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A sergipana Jamille de Andrade Aguiar, 37 anos, faz hemodiálise três vezes por semana durante quatro horas. A espera por um novo rim já dura dois anos e meio. Ela é mais uma da lista de 650 pacientes que aguardam por um transplante desse órgão no Estado. A pandemia da Covid-19 aumentou ainda mais essa angústia.
Com cirurgias em ritmo lento e maiores impeditivos para doação de órgãos, a fila por transplantes cresceu. “Conviver com qualquer doença crônica é um grande desafio. Em especial, quando estamos no meio de uma pandemia e quando sabemos que fazemos parte de um grupo vulnerável, com baixa imunidade. É necessário resiliência, persistência e muita fé em Deus para não desanimar. O equilíbrio emocional nos ajuda a não desistir de viver e continuar lutando por uma qualidade de vida melhor”, desabafa Jamille, que já contraiu a covid-19 por duas vezes. Com quase dois anos de pandemia e as cirurgias aos poucos vêm sendo retomadas - longe de atingir o patamar de antes da covid-19 -, os pacientes sergipanos que aguardam pela sua hora de ser transplantados voltam a ter esperança.
Mas, a angústia continua e ainda com muitos percalços pela frente. A saga dos pacientes sergipanos esbarra, principalmente, na falta de vontade política. Sergipe, que já foi uma referência no transplante de coração, há quase uma década não faz mais transplantes, apenas o de córnea. O último foi realizado em 2012.
O motivo que levou à suspensão dos transplantes no Estado está diretamente ligado aos valores defasados de pagamento por procedimento, o que levou a desinteressar equipes e hospitais. Ao longo desses quase 10 anos, Recife (PE) passou a ser um dos principais destinos desses pacientes que conseguem a doação para o transplante. “O estabelecimento e a equipe que transplantavam perderam o interesse pelos valores que recebiam para realizar o procedimento, aliado a dificuldade da realização de alguns exames da rede SUS.
Assim, em 2012, Sergipe deixou de ter programa autorizado para transplante renal. Já os cardíacos, não tivemos como renovar a autorização junto ao Ministério da Saúde (MS), porque o hospital não atendia alguns pré-requisitos exigidos pelo MS. Foi então solicitada autorização para o Hospital do Coração, que realizou um transplante em 2017. O Hospital do Coração já tem nova autorização do MS e encontra- -se finalizando o contrato junto a SES para viabilizar os repasses”, detalha o coordenador da Central Estadual de Transplantes de Sergipe, Benito Fernandez.
Vale lembrar que foi publicada, em 2020, a Portaria 410/2020, que habilita o serviço de transplantes no Hospital Universitário (HU), mas passado mais de um ano, o serviço ainda não está funcionando.. “O Hospital Universitário de Aracaju iniciou, em 2019, um programa de Tutoria de Transplantes Renal, oferecido pelo MS em parceria com o Albert Einstein. Infelizmente, a pandemia atrapalhou um pouco a conclusão da tutoria. A portaria foi publicada e a tutoria ainda não foi finalizada. Os cirurgiões da equipe de transplante renal no HU estão indo para São Paulo no final de outubro participar da parte prática da tutoria”, informa Benito.
TRATAMENTO FORA DE DOMICÍLIO
Atualmente, a regulação dos pacientes sergipanos para o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) em caso de transplantes, é feita da seguinte maneira: “são agendadas consultas pelo SUS com equipes transplantadoras, na grande maioria no Hospital do Rim e Hipertensão, com a equipe de Dr. Medina, uma outra parte no IMIP, em Recife”, explica o coordenador da Central Estadual de Transplantes de Sergipe.
E a saga continua. As condições oferecidas pelo Estado para que esses pacientes sergipanos saiam para fazer o procedimento é algo desolador. De acordo com pacientes, a diária paga pelo TFD gira em torno de R$ 24,75 por paciente, valor que não arca com alimentação, condições mínimas de higiene, muito menos a possibilidade de ter um acompanhante. Portanto, já não basta ter a sorte de conseguir um doador em outro Estado. É preciso, ainda, ter condições financeiras para viajar e passar por todo o procedimento, mesmo que pelo SUS. “É por isso que muitos desistem, porque não conseguem se manter em outro Estado, arcando com tantas despesas. Graças a Deus tenho condições de pagar o meu plano de saúde. Agora imagine quem depende de tudo pelo SUS? Espero que a minha cirurgia chegue logo, que o meu telefone toque, avisando que é a minha hora. Estou muito ansiosa. Mas, tenho muita resiliência e esperança”, diz Jamille.
Recentemente, o ex-secretário de Estado da Saúde e presidente do PSDB Sergipe, o médico e ex-senador Eduardo Amorim denunciou essa triste situação, chamando a atenção para cirurgias cardíacas. “Sergipe já foi um dos primeiros do Norte e Nordeste em realização de transplantes de coração, mas, hoje, mesmo com todas as condições de fazer, não faz mais”, afirma. O que falta?