04/12/2023 as 08:15

ENTREVISTA

‘Aracaju elegeu duas mulheres como viceprefeitas nos últimos dois processos eleitorais’

Galdino analisou em sua pesquisa a figura pública da delegada Danielle Garcia e o que ela representou no contexto eleitoral de então.

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O protagonismo feminino nas eleições do próximo ano é algo discutido em todas as esferas políticas. E para falar sobre o tema, o Jornal da Cidade convidou a comunicóloga e pesquisadora em comunicação, política e gênero Eloísa Galdino, que analisou em sua tese de mestrado a presença feminina das delegadas no último processo eleitoral ocorrido na capital sergipana. Eloísa recorda que Aracaju elegeu duas mulheres como vice-prefeitas nos últimos dois processos eleitorais, e que ambas tiveram muito protagonismo nas campanhas – tanto que nenhuma das duas concluiu seus mandatos: Eliane Aquino acabou se tornando vice-governadora em 2018 e Katarina Feitoza se elegeu deputada federal no pleito de 2022. Galdino analisou em sua pesquisa a figura pública da delegada Danielle Garcia e o que ela representou no contexto eleitoral de então. Acompanhe no bate-papo a seguir um pouco mais sobre o tema.

JORNAL DA CIDADE - Como surgiu o interesse em pesquisar a presença de delegadas como candidata na dinâmica das eleições municipais em Aracaju?
ELOÍSA GALDINO - Em janeiro de 2020, participei profissionalmente de rodadas de focus group para detectar tendências político-eleitorais para aquele ano. Ali, observei como a imagem da delegada Danielle Garcia era marcante, forte e parecia dialogar com o que acontecia no cenário nacional. A partir dali, escrevi um artigo acadêmico sobre a pré-campanha de Danielle, com foco na comunicação nas redes sociais, depois evoluí esse material para o pré-projeto de pesquisa submetido à UFS com a campanha em curso. Com a chegada de Katarina Feitoza e Georlize Teles, a presença de delegadas na disputa eleitoral foi realmente uma variável a se considerar, e o projeto focou em duas das campanhas, exatamente nos perfis de Danielle Garcia e Katarina Feitoza.

JC - Qual foi o papel da imagem pública da delegada Danielle Garcia e sua pré-candidatura para que outras mulheres delegadas, a exemplo de Katarina, pudessem demonstrar interesse em participar do processo eleitoral?
EG - A pesquisa mostra de maneira muito clara que a presença de Danielle Garcia influenciou totalmente a escolha de outra delegada, Katarina Feitoza, como vice na chapa de Edvaldo Nogueira, que buscava a reeleição. O convite feito a ela, assim como a própria maneira como a estratégia de comunicação foi construída, de modo que Katarina tornou-se um contraponto a Danielle, sempre pelos vieses de delegada e mulher como papéis sociais, foram relevantes naquela comunicação. Também fica muito evidente o reflexo da atmosfera nacional na eleição local, o núcleo político e comunicacional de Edvaldo Nogueira temia a contaminação, por isso buscou se “vacinar” com a presença de uma delegada na chapa.

JC - Pode compartilhar insights sobre como a chegada de delegadas como Katarina Feitoza e Georlize Teles impactou o cenário político local?
EG - Agentes de segurança pública passaram a atuar de maneira mais marcante no cenário nacional da política em 2018, tanto que o próprio presidente da República eleito naquele ano foi um capitão reformado do Exército. Aqui em Sergipe, o delegado Alessandro Vieira tornou-se senador naquele ano. É um momento de ascensão de outsiders na política, logo, personagens como Katarina e Georlize acabam representando também aquilo que Danielle Garcia encarnava, ao encarnar um elemento novo na política, até porque estamos falando de um contexto em que se defendia essa chegada de agentes novos na cena pública para supostamente mudar a política.

JC - Sua pesquisa sugere uma associação direta entre a imagem de autoridade policial das delegadas e uma quebra de expectativas relacionadas à divisão sexual do trabalho. Como isso influenciou a percepção pública?
EG - Nos estudos sobre a participação da mulher na política são identificadas rotas de ingresso delas nessa seara: o parentesco com homens da política, a militância ampla em segmentos sociais e as mulheres outsiders, onde se inserem as delegadas que estudei. A carreira impulsiona o ingresso, e, no caso das delegadas, trata-se de uma carreira com uma imagem pública de autoridade, de força e de coragem. As delegadas forjaram sua trajetória profissional num ambiente masculinizado e machista. Isso cria outra maneira de ser vista e de como lidam com a política, de modo que, no limite, as dificuldades encaradas pela maioria das mulheres são mais atenuadas para elas. Ou, em outras palavras, elas transitam melhor nos ambientes de poder.

JC - Como a escolha de Katarina Feitoza como vice-prefeita após a apresentação de Danielle como pré-candidata reflete nas dinâmicas políticas?
EG - Primeiro eu acredito que reflete muita perspicácia e capacidade de leitura do ambiente político, além do uso eficiente de pesquisas qualitativas. Além disso, também mostra como a construção de estratégias de comunicação para mulheres estão relacionadas a estigmas. No caso específico, um papel social como esse de delegada acabam por sobrepor-se ao de mulher ou se associam a outros estigmas para potencializar um atributo da imagem pública. Em Danielle temos o elemento força e o papel de delegada reforçado; em Katarina, o elemento humano e feminino para mostrar uma delegada diferente. Todas essas variáveis de imagem foram muito relevantes naquele processo eleitoral.

JC - Em sua opinião, de que maneira a eleição de mulheres delegadas rompe com os estereótipos de gênero e cria oportunidades para outras mulheres na política?
EG - Primeiro pela própria natureza da atividade profissional e pelo que isso impõe como ruptura acerca de qual seria o lugar da mulher na sociedade. A mulher delegada já é por si só um contraponto. Depois porque, sendo mulheres, elas acabam por incorporar, ao menos nos casos estudados, pautas femininas em sua ação política, o que nos remete à máxima sobre ter “mais mulheres na política” ser importante para essa formulação, defesa e incorporação da agenda feminina nas decisões e nas políticas públicas.

JC - Como as delegadas superaram obstáculos geralmente enfrentados por mulheres na política, considerando o ambiente predominantemente masculino e machista?
EG - Não é regra, mas há uma tendência do mundo masculino da política receber essas mulheres também considerando a autoridade policial que elas representam, logo elas transitam com mais desenvoltura nesse mundo árido e pouco receptivo às mulheres que são os espaços de poder. Ademais, no caso de espaços como o Congresso Nacional, elas acabam conseguindo participar de lugares mais disputados, como as comissões mais importantes.

JC - Apesar de não consolidar a eleição de uma prefeita em Aracaju nos últimos anos, que mudanças de cenário você observa em relação ao papel das mulheres na política local?
EG - Aracaju elegeu duas mulheres como vice- -prefeitas nos últimos dois processos eleitorais, ambas com muito protagonismo nas campanhas, tanto assim que nenhuma das duas concluiu seus mandatos, acabaram alçando voos próprios a partir de capital político próprio antes do final dos quatro anos. Eliane Aquino acabou se tornando vice-governadora em 2018; e Katarina Feitoza se elegeu deputada federal no pleito de 2022. Há um debate público significativo em torno da presença das mulheres nos espaços nos quais as decisões coletivas são tomadas, nos ambientes de poder, e eu quero crer que esse debate e a mudança que ele engendra possam chegar de maneira mais significativa no processo eleitoral de 2024.

JC - Quais são os desafios enfrentados por mulheres na política de Aracaju, e como as candidatas femininas estão lidando com esses desafios?
EG - Acredito que o desafio diz respeito ao quadro mais geral experienciado no Brasil: a política não é um lugar acolhedor para as mulheres, ao contrário, é visto e encarado como mais um espaço privilegiado da ala masculina do mundo. Porém, há um tensionamento nesse quadro. De um lado as mulheres exigindo mais direitos e mais espaços. Do outro, a resistência masculina a essa possibilidade. Há uma questão pragmática nesse cenário: para cada mulher que entra, no parlamento ou no executivo, um homem precisa sair, desocupar a cadeira, logo, esse ingresso feminino acaba tratando-se, na verdade, de uma disputa. Mas, calma: a disputa se dá porque há desigualdade na distribuição dos espaços, é disso que trata também o debate acerca da igualdade de gênero. Mas, assim como no Brasil, em Sergipe as mulheres têm tensionado sua entrada nesses ambientes.

JC - Ao analisar os nomes femininos com força política para a próxima eleição, quais características ou habilidades são essenciais para tornar suas candidaturas viáveis?
EG - Quanto mais a sociedade estiver convencida de que precisamos da ótica feminina e da visão de gestão das prefeituráveis que se apresentam para administrar Aracaju, mais estaremos debatendo a presença da mulher na política. Entendo que não devemos declinar dessa ideia, e elas precisam continuar nas ruas e no exercício público de suas atividades e se colocando como prefeituráveis. Acredito que há muito potencial de crescimento para essas pré-candidaturas até abril, maio, quando o jogo precisa se afunilar em torno de nomes que de fato irão à disputa. Mas é política, tudo pode acontecer, inclusive elas cederem o protagonismo para seus correligionários homens.

JC - Como você vê a tendência de mulheres protagonizando a disputa eleitoral de Aracaju, e quais estratégias políticas elas precisarão adotar para enfrentar as dinâmicas predominantes nos partidos políticos sergipanos?
EG - Bem, como disse antes, é muito importante conquistar o apoio da sociedade à ideia de ter uma mulher prefeita, para isso a visibilidade pública conta. Também acredito que o diferencial seria essas mulheres começarem o ano ensaiando conversas sobre projetos reais para a cidade. Qual é a Aracaju defendida por cada uma delas? O que há de diferente na maneira de cada uma enxergar a sociedade, sua dinâmica e os direitos da população? E trazer questionamentos atuais, pautados por alguns debates urbanísticos contemporâneos: qual a importância de falarmos com profundidade sobre temas como o direito à cidade? O que Aracaju precisa em se tratando de mobilidade urbana? Como tratar os diferentes modais e o respeito ao pedestre? Como pensar uma cidade para o futuro com inclusão, sustentabilidade e inovação? Como executar um projeto a partir das diferenças entre os territórios urbanos de Aracaju? Tudo isso imprimindo o diferencial da ótica feminina no trato da gestão. Acredito muito que campanhas femininas possam trazer um debate novo em torno da disputa eleitoral, evidenciando o que há de específico na liderança feminina e como isso pode se reverter em benefícios para Aracaju. Pra mim, Eloisa Galdino, esse é o desafio que está posto.

|Por Max Augusto