30/05/2022 as 11:56

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TB Entrevista Mirene Morais

Apaixonada por todo potencial da medicina Cannábica, ela tem feito várias especializações nesta área que engloba o suporte a diversas patologias em todas faixas etárias

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TB Entrevista Mirene Morais

A nossa entrevistada, esta semana, é a médica Mirene Morais, uma mineira de Uberaba/MG, que cresceu em Vitória no Espírito Santo, onde finalizou os estudos e formação médica pela Santa Casa de Misericórdia de Vitória. Aos 23 anos seguiu com especializações na área médica em São Paulo. Por lá fez residência em Clinica Médica e Terapia Intensiva, além de pós graduação em Acupuntura. Ao se dedicar aos estudos voltados à dor, decidiu fazer pós graduação em dor pelo Sírio Libanês (SP) e lá conheceu a Cannabis Medicinal. Apaixonada por todo potencial da medicina Cannábica, ela tem feito várias especializações nesta área que engloba o suporte a diversas patologias em todas faixas etárias. A seguir, a íntegra da nossa conversa.

THAÏS BEZERRA - O que é a Cannabis e para que ela serve?
Mirene Morais - É uma planta da família Cannabaceae e apresenta vários gêneros de Cannabis, a exemplo da sativa e da Indica. Popularmente conhecida como maconha, ela apresenta vários compostos químicos, sendo os fitocanabinóides CBD e THC os mais conhecidos pelas suas propriedades terapêuticas em nosso organismo. Pode ser usada na formulação de medicamentos, a exemplo dos óleos de administração pela boca, cápsulas, supositórios e cremes. A Cannabis, com baixo teor destes fitocanabinóides, é chamada de Cânhamo ou Hemp e apresenta extenso potencial de uso industrial, a exemplo do bioplástico, tecidos, biocombustível e alimentício.

TB- Quais tipos de doenças podem ser tratadas com os componentes da planta?
MM - Os fitocanabinóides têm a propriedade de se ligarem como uma chave no nosso delicado sistema endocanabinóide, presente em praticamente todas as células do nosso corpo. O potencial terapêutico já é conhecido há mais de três mil anos e, a cada dia, mais estudos demonstram evidências nos quadros de dor crônica, espasticidade muscular, epilepsia, náuseas e vômitos no tratamento do câncer, nos cuidados paliativos de doenças com elevado sofrimento, além do uso nos distúrbios do sono, esquizofrenia, nas demências, ansiedade e na melhora da qualidade de vida em pacientes com transtorno do espectro autista.

TB - Recente estudo revela a eficácia da Cannabis para uso em pacientes oncológicos-infantis. Como ela é administrada e de que forma age?
MM - Pacientes oncológicos, incluindo infantis, podem se beneficiar durante o tratamento com quimio e radioterapia e diminuir os importantes sintomas que alteram a qualidade de vida e geram importante sofrimento físico e emocional. O risco-benefício para qualquer medicação tradicional ou com Cannabis deve ser sempre muito bem avaliado na população pediátrica. A administração, habitualmente, é feita com óleos administrados via oral, sublingual, mas podemos utilizar outras vias, como em pomadas e cremes.

TB - Recente pesquisa - feita pela Revista Exame - mostrou que 78% dos brasileiros são favoráveis ao uso da Cannabis como elemento terapêutico. A despeito desse número, há ainda muito entrave nessa discussão. Na sua avaliação, o que falta para que esse tema seja pautado, sem preconceito?
MM - Que existam debates maduros e sem preconceitos na sociedade, nos Legislativos e nos meios acadêmicos, considerando todo o potencial terapêutico da planta. Há quase 40 anos, importantes estudos demonstram a ação dos seus componentes em todo nosso sistema endocanabinóide. Essa é a chave de toda discussão. Infelizmente, ainda tão pouco estudado nas escolas de medicina e nas ciência de saúde em geral.

TB - Nesse debate, há sempre questionamentos com viés ideológico sobre o uso recreativo da Cannabis. Há, realmente, o risco de, sendo aprovada e regulamentada a comercialização da planta, tornar-se um problema social?
MM - A discussão em pauta nos últimos sete anos, nos Legislativos do nosso país, sobre a necessidade urgente de regulamentação, baseia- se no uso terapêutico/ medicinal da planta e das suas múltiplas aplicações na indústria através do Cânhamo - uma espécie da planta Cannabis -, já que estamos atrasados nesse tema por mais de uma década, quando comparamos o Brasil com vários países do mundo. Toda a América do Sul já a regulamentou. O X da questão para nós, reside no preconceito, na criminalização e no atraso em torno de pesquisas e potenciais múltiplos que a Cannabis pode proporcionar na saúde, na indústria e na vida dos brasileiros.

TB – Há relatos - muito positivos - de pacientes que fazem uso da medicação à base da planta. Como essa substância age em nosso corpo? E quais os riscos da má administração?
MM - O ponto chave é o entendimento sobre um sistema delicado e complexo, chamado sistema Endocanabinóide, descoberto há quase 40 anos pelo químico Professor Raphael Mechoulam, da Universidade de Jerusalém/Israel. Este sistema equilibra todas as funções no nosso organismo e conversa com vários outros sistemas importantes. Nosso corpo produz, naturalmente, substâncias como Anandamida e 2 AG, que ativam este sistema . Na Cannabis, encontramos substâncias como o CBD e o THC que são como um acesso a este sistema e podem o regular, produzindo os efeitos terapêuticos Quando falamos de medicamentos com as substâncias extraídas da Cannabis, que visam o tratamento de patologias, é sempre necessário o acompanhamento médico e que o mesmo seja habituado neste tipo de teerapia, pois, como toda medicação, existem seus efeitos colaterais e interações medicamentosas.

TB - Mesmo após a liberação para o uso medicinal no país, o valor do medicamento é considerado alto. Já há políticas públicas ou projetos para ampliar o acesso ao uso deste medicamento?
MM - As medicações importadas liberadas pela Anvisa são atreladas ao dólar e com fretes mais elevados encarecendo o produto. Alguns desses produtos estão nas prateleiras das farmácias, também, com preços elevados, principalmente a depender de suas concentrações. Diversas associações, que são iniciativas de famílias, pacientes, médicos e vários profissionais, produzem medicamentos em solo nacional e tentam democratizar e facilitar a aquisição delas a preços mais econômicos, porém, ainda, são considerados elevados para grande parte da população. A urgente regulamentação deve focar no cultivo e extração dos produtos em solo nacional, barateando cada vez mais os produtos, assim como a possibilidade das farmácias vivas do SUS poderem ofertar o medicamento garantindo igualdade e equidade no tratamento com Cannabis.

TB - Os fármacos, em sua maioria, têm efeitos colaterais. No caso do Canabidiol, existem? Quais são?
MM - Cada paciente tem um tônus no seu sistema endocanabinóide, assim cada pessoa terá sua dose de medicação totalmente personalizada, seja de Canabidiol ou de THC. Mesmo assim, os efeitos colaterais são também passíveis de acontecer, principalmente, quando associados a medicação para dormir, ansiolíticos e analgésicos fortes, e dependem de quão rápido está sendo este ajuste de dose e do que está sendo ofertado. Habitualmente são leves e passageiros, como sonolência e tontura. Por isso, é necessário o acompanhamento com médico que esteja habituado na Terapia com Cannabis.

TB - O THC é a principal substância psicoativa da maconha. Já existem remédios à base dele e, se há, corre-se o risco de ter efeitos psicoativos? MM - O THC é muito importante nas medicações, têm efeitos terapêuticos benéficos, especialmente, quando associados aos outros fitocanabinóides e pode estar presente em várias concentrações nos diversos produtos disponíveis. Quando as doses são controladas e ajustadas lentamente para cada paciente, a possibilidade de efeito psicoativo é quase inexistente quando se compara ao efeito buscado no uso adulto recreativo, por exemplo. Como dizia o médico e físico Paracelso no século XVI, a diferença entre o remédio e o veneno está na dose, e isso serve para qualquer medicamento. TB - Como se dá a administração da Cannabis em crianças? Alguma implicação adversa pode ocorrer? MM - A população pediátrica pode se beneficiar nos casos de epilepsia refratárias, de dor crônica de difícil controle, nos distúrbios de comportamentos no casos de Autismo que levam a importante sofrimento ao paciente, no suporte ao tratamento do câncer, nos cuidados paliativos e são ofertados com base nos óleos administrados em gotas, cápsulas ou tópicos. Os possíveis efeitos adversos são também dependentes das doses, assim como em adultos, passageiros e leves.