11/05/2018 as 11:13
Marivaldo Pereira
auditor federal de finanças e controle
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A Universidade de Brasília é um dos maiores exemplos de como as políticas de ampliação do acesso ao ensino superior conseguiram mudar o perfil dos alunos das instituições federais de ensino em todo o país.
No último dia 19 de abril, acompanhei o evento Da Periferia à Universidade, na UnB. Ali, diante daquele auditório repleto de jovens das mais diversas regiões administrativas do Distrito Federal, em sua grande maioria negros, orgulhosos de sua cor, de seus cabelos e de sua origem, ficou evidente que a universidade não é mais a mesma.[1]
Embora ainda estejamos longe do ideal, o fato é que a população mais pobre e historicamente excluída está começando a acessar as universidades federais — o que é confirmado pelos dados.
Desde 2015, a quantidade de pretos e pardos na UnB supera o número de estudantes que se declaram brancos. Quase metade dos graduandos do segundo semestre de 2017 cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. A maioria dos estudantes são mulheres e têm renda mensal familiar de 3 a 10 salários-mínimos.[2]
Como era de se esperar, essa mudança de perfil aumentou a demanda de políticas públicas — como o Programa Nacional de Assistência Estudantil, o Programa Bolsa Permanência, os programas de alimentação e moradia estudantil —, exigindo do governo uma atenção especial para o orçamento das universidades, especialmente para os investimentos na assistência estudantil.
Infelizmente, o que temos assistido é exatamente o contrário de tudo isso. Para se ter uma ideia, o orçamento do Ministério da Educação este ano encolheu 10% em relação ao ano passado, enquanto a parcela destinada a investimentos, de onde saem grande parte dos recursos para assistência estudantil, perdeu mais de R$ 2 bilhões.
Na UnB, a Reitoria estima que o déficit orçamentário para este ano seja de R$ 92 milhões. A administração também aponta uma redução de aproximadamente R$ 150 milhões no orçamento destinado à manutenção da entidade, de onde saem os recursos para o pagamento de serviços terceirizados e também do Restaurante Universitário. Já nos recursos de investimento, de onde saem os gastos com pesquisas e bolsas de assistência estudantil, o corte foi de quase R$ 34 milhões.[3]
Como resultado, a UnB está sendo forçada a interromper os contratos de serviços terceirizados e de estágio, prejudicando trabalhadores e estagiários e colocando em risco a continuidade de seu funcionamento. Da mesma forma, deve aumentar o valor cobrado pelo Restaurante Universitário e cortar as bolsas de assistência estudantil, medidas que atingirão diretamente os estudantes de baixa renda.
Essa grave situação tem mobilizado estudantes, professores e servidores da UnB para cobrar do Ministério da Educação uma saída para a crise vivida pela universidade. Hoje (26/04) ocorrerá um ato unificado no Museu da República.
O envolvimento de toda a sociedade neste debate é imprescindível, especialmente dos jovens da periferia. O descaso e a falta de sensibilidade do governo com a educação terá como principal vítima as políticas de acesso que permitiram o ingresso e a permanência desses jovens nos últimos anos.
Depois de séculos de exclusão, corremos o risco de vermos as portas do acesso ao ensino superior público serem fechadas, daí a importância de colocarmos o pé na porta e resistirmos.
A cada testemunho daqueles jovens que estiveram no evento Da Periferia à Universidade sobre os desafios que enfrentam para seguirem estudando, um filme se passava em minha cabeça. Sou do tempo em que a periferia não chegava à universidade de jeito nenhum. Talvez por isso tenha tanta convicção da importância de nos mobilizarmos para forçar o governo a dar uma solução para a atual crise financeira da UnB.