31/12/2020 as 05:37

ENTREVISTA

Linda Brasil: ‘Quando os evangélicos seguem de fato os evangelhos de Jesus, eu acho ótimo’

Nesta conversa com o Jornal da Cidade, ela já avisou: fará oposição ao prefeito reeleito – mas votará a favor dos projetos que beneficiem a população

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Linda Brasil: ‘Quando os evangélicos seguem de fato os evangelhos de Jesus, eu acho ótimo’

Destaque na imprensa nacional (e até internacional) como a candidata mais votada e a primeira mulher trans eleita para exercer a vereança em aracaju, Linda Brasil vai presidir a primeira sessão da câmara de vereadores, dando posse ao prefeito Edvaldo Nogueira e comandando a eleição da mesa diretora do Legislativo. Nesta conversa com o Jornal da Cidade, ela já avisou: fará oposição ao prefeito reeleito – mas votará a favor dos projetos que beneficiem a população. Além de falar sobre suas propostas e sobre as pautas da sua atuação no legislativo municipal, linda se revelou cristã e comentou como será sua convivência com a bancada evangélica. Confira a seguir.

JORNAL DA CIDADE - Como vereadora eleita mais votada, a senhora vai presidir a primeira sessão legislativa de 2021, da Câmara Municipal de Aracaju. Há uma importância simbólica neste fato?
LINDA BRASIL - Sim. Há uma importância muito grande do ponto de vista histórico e do ponto de vista humano. Do ponto de vista humano representa um avanço na direção da construção de uma sociedade que clama por justiça social e respeito. Está sendo uma resposta que a sociedade aracajuana dá a projetos conservadores, sinalizando que quer o respeito entre as pessoas e quer políticas públicas de combate ao preconceito. A cidade quer respeito às minorias e, com minha chegada no parlamento, ela quer dar visibilidade às pessoas trans, aos LGBTQIA+, às mulheres e às negras e aos negros. Historicamente, é a primeira eleição em que uma pessoa do meu partido, Psol, sai vitoriosa. É o início da colheita dos frutos de uma trajetória de luta partidária a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras. E este início tem o coroamento em outro fato histórico: ser a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na esfera parlamentar em Sergipe.

JC – O fato de ser uma mulher trans seria o fato histórico mais importante, no contexto atual?
LB - Além disso, sou cristã espiritualista e fui eleita com votação expressiva em um momento em que muitos discursos pseudocristãos e fundamentalistas que legitimam posturas anticristãs, antidemocráticas e fascistas estavam disputando uma vaga na eleição e foram derrotados. Aracaju deu uma resposta muito clara do ponto de vista histórico, ela deu uma sinalização clara de que a população entende a importância da defesa dos direitos humanos, da educação, da valorização da cultura e a mensagem de serviço ao bem comum e presentes em nossas bandeiras de luta.

JC – A senhora pretende disputar a presidência do Legislativo municipal? Tem se articulado neste sentido? E como tem sido a recepção dos seus colegas?
LB – Não pretendo disputar nesse momento. Tenho mantido diálogo com colegas. Estou buscando conhecer minhas futuras colegas e meus colegas. Temos uma legislação com a presença de mulheres, o que nos dá uma boa possibilidade de levar as pautas femininas com maior força para dentro do parlamento. A recepção tem sido muito positiva. Eu sei que tenho também um papel educativo e que ajuda as pessoas a desconstruírem estereótipos e preconceitos sobre as pessoas LGBTQIA+ e sinto que temos corações abertos e com uma postura de respeito. Quem não está assim lamentamos, porque a própria pessoa se introduz em uma rota fadada ao fracasso e à infelicidade de forma individual e coletiva.

JC - Como estão os bastidores da eleição para a presidência da CMA? A senhora já foi contatada por alguém? Já tem um nome escolhido?
LB - Estão indo bem (risos). Estou aberta ao diálogo com todos os nomes que quiserem, até para percebermos os projetos que se apresentam e o que querem. Não temos nomes. Estaremos fazendo escolhas que sejam de fato boas para a população de Aracaju e que fortaleçam o parlamento, que sofre muita interferência do Executivo.

JC - No trabalho legislativo, integrar e presidir comissões temáticas é um papel relevante. A senhora pretende participar ou até mesmo pensa em comandar alguma? Qual?
LB - Olha, sabemos do papel importantíssimo das comissões. Ao longo do tempo elas têm sido praticamente abandonadas, sem serem ocupadas como fórum de discussão dos problemas e soluções para a cidade. Gostaríamos de estar nas Comissões de Justiça e Redação; na de Educação, Cultura e Esportes e tenho sido procurada pelos movimentos sociais, que pedem que estejamos à frente da comissão de Direitos Humanos, Assistência Social e Defesa do Consumidor.

JC - Como será o seu posicionamento parlamentar perante o prefeito Edvaldo Nogueira? Como avalia a gestão dele, que se encerra no dia 31?
LB - Serei parlamentar de oposição ao prefeito. O que ele encaminhar e que, de fato, for bom para a população estaremos obviamente votando a favor. Mas não estaremos apoiando esta lógica de cidade em que é prioridade maquiar a cidade e investir em asfalto e que não realiza a efetivação de políticas públicas para a população. Temos um déficit de creches no município, faltam escolas, a estrutura de atendimento à saúde de população é precária. A cidade não tem uma cobertura de 100% de saneamento, nossa juventude não tem projetos de cultura e educação. Isso só para citar alguns problemas desta administração.

JC - Quais as principais sugestões que pretende apresentar à administração municipal?
LB - Em nossa campanha, desenvolvemos uma escuta dos anseios de nossas eleitoras e eleitores. Nós tivemos um instrumento importante que nos balizou as propostas que foi um questionário preenchido por centenas de pessoas que se chama “O que você pensa para Aracaju?”. Dali surgiram muitas de nossas propostas de campanha e que serão bandeiras de luta de nossa mandata como: construção de mais creches para que as mulheres trabalhadores tenham onde deixar seus filhos, mais escolas no município, implementar um programa no município para que os servidores passem por formação em Direitos Humanos, lutar para que haja um fomento a formação e à empregabilidade, por parte da Fundat, sobretudo de pessoas em situação de vulnerabilidade e LGBTQIA+. Nossa atuação estará pautada na exigência de serviços eficientes de fato para a população.

JC – E em relação à fiscalização do Executivo?
LB - Também vamos fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e a qualidade dos que o município oferece a cada cidadão e cidadã. Vamos exigir políticas públicas que contemplem as minorias: negras e negros, mulheres, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, juventude e a classe trabalhadora. Vamos fiscalizar a atuação dos conselhos municipais e também incentivar a participação das pessoas neles. Vamos construir canais de diálogo e propor uma maior aproximação do parlamento municipal e as universidades para que a produção de debates, trabalhos e pesquisas científicas possam subsidiar as políticas públicas do poder executivo municipal. Vamos lutar por uma saúde de qualidade e para que sejam observadas as questões relacionadas a saúde da população negra, das mulheres e das pessoas trans. Inclusive achamos que a prefeitura deve implantar com urgência um ambulatório trans para atender as demandas desta população. Nossa mandata atuará para fortalecer a luta popular, a diversidade e a cidadania sempre fundada no diálogo e em uma atuação coletiva, colaborativa e combativa.

JC - Como analisa a presença de uma forte bancada evangélica na Câmara de Aracaju? A senhora já antevê debates calorosos com este segmento? LB - Fica problemático quando há perseguição, exclusão e uso do estado para interesses de grupos. Quando o poder é usado por qualquer bancada para que ela possa alcançar seus objetivos políticos, através de discursos que tirem a humanidade de grupos que sejam diferentes, isso é uma ameaça à democracia. Quando os evangélicos seguem de fato os evangelhos de Jesus eu acho ótimo. A questão ameaçadora para a democracia e para vidas humanas é quando a pessoa se diz evangélica mas manipula os ensinamentos sagrados para seus interesses políticos e egoístas prevaleçam. Quando são pessoas que incluem, respeitam e defendem a população é bom. Eu mesmo, como falei, sou cristã. O espírito da inclusão, do amor, do propósito de ser usado para servir às pessoas é nobre. Mas é ruim quando isso é esquecido e se torna, na verdade, um farisaísmo. Jesus escolheu suas seguidoras e seus seguidores entre pessoas do povo, pessoas autênticas. Esteve ao lado de quem se assumia pecadora ou pecador. Quem pediu para ele ser crucificado foi a elite religiosa e política que usava o antigo testamento e se confiava em tradições. Já tive bons diálogos com meus colegas e minhas colegas que são evangélicas e evangélicos e fazem parte desta legislatura. Se a pessoa for cristã de fato, não há problema. Passa a ser problemático o relacionamento interpessoal quando há farisaísmo disfarçado de cristianismo e o foco do uso da Bíblia é o de manipular mentes e corações para manter a opressão do sistema social. Estas pessoas já estão pagando caro aos olhos de Deus. Espero que a bancada desta legislatura seja de pessoas que se esforcem por seguir Jesus.

|Por Max Augusto

||Foto: Divulgação